2.12.08

Atitulado

Fiquei um bom tempo sem sair de casa. Dois meses, quem sabe. Na semana retrasada o ébrio voltou para rever os amigos e já recomeçou mal: esqueceu a chave no carro de um deles e foi obrigado a pular o portão de casa às 4h. Ter sobrevivido foi um milagre. Já devidamente instalado atrás de um oblongo arbusto de azaléias e esperando amanhecer, pude ficar olhando o céu. Fazia tempo que isto não acontecia.

Quando estava entrando na adolescência, ia às vezes acampar com meu pai e seus amigos. Seguíamos de carro até um vila que fica um pouco depois de Parati e, naquele povoado que sequer imagino como se encontra hoje, pegávamos um barco. Ele nos deixava em um lugar chamado "Ilha do Algodão", que de ilha nada tinha, a não ser o fato de poder se chegar ali apenas pelo mar. Era uma praia pequena, linda. Ficávamos ali 10 dias, sem contato algum com o mundo. O uso do relógio era vetado. Um barqueiro vinha, de 2 em 2 dias, saber se estava todo mundo vivo.

Uma das coisas que eu aprendi naquela praia foi olhar o céu, à noite. Não há muito o que se fazer das 21h às 6h num lugar destes. Não há escolha. Descobre-se cedo, entretanto, que ficar olhando para cima pode ser uma experiência fabulosa. Há algo de magnífico ali; a sensação de vácuo, de pequenez e de instigamento são somadas e cravadas na entrada do cérebro. Azul vermelho e prata; azul vermelho e prata: aquilo é um planeta. Prata prata prata: aquilo é uma estrela. Cerra os olhos e vê o caminho leitoso, denso, cercado de preto preto preto. Sente vontade de se jogar na colcha gigantesca. O que haverá ali? Não sei, mas eu vou pular.

Nunca mais me relacionei com o céu desta forma. No dia em que pulei o portão, metade foi olhar que agora pouco vê e metade foi memória devidamente nostálgica. Nada havia de novo além da constatação de que algo se perdeu ou está se perdendo.


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Meu amigo Guilherme tem um blog. Meu amigo Guilherme é dono de incessantes sacadas geniais. Meu amigo Guilherme escreve coisas interessantíssimas. Meu amigo Guilherme é poeta e assim se denomina e assim o denominam não porque deseja ser: ele o é, de verdade. Eu, amigo do meu amigo Guilherme, às vezes,desastradamente, tento. Há uma tentativa minha em seu blog.

Quanto topei com a coisa, gelei. A ilustrá-la uma imagem de Hopper - por mim desconhecida -, artista que meu amigo não sabia ser um de meus prediletos. Meu amigo Guilherme tem dessas coisas: ele carrega a percepção transcendente dos poetas.

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