29.8.08

Augusto de Campos - Pulsar (1975)

Especial 1.000 visitas

Estava pensando em fazer algo legal quando o blog completasse as mil visitas (entenda-se mil desde que eu coloquei este contador aí ao lado).

Pensei nisso mais por influência alheia do que por qualquer outra coisa. Sim, porque se o Pelé comemorou os seus mil gols, e o Romário arrumou mil gols pra poder comemorar, porque é que eu não posso achar que fazer mil qualquer-coisa-que-seja não tenha lá a sua importância? E por que é que eu não posso me empolgar também?

Pois então: para a comemoração das mil visitas, resolvi falar sobre algo desmesuradamente importante pra mim; a saber, a minha música favorita.

Sim, porque ela existe. Se me perguntarem sobre o livro teórico que eu considero mais importante, eu não vou conseguir citar um: no mínimo uns dez. A mesma coisa vale para romances - apesar de que O homem sem qualidades talvez esteja um tanto à frente dos outros. Para poesia, a mesma coisa.

Já no que diz respeito à música, tal classificação existe sem dúvida alguma que possa fazê-la desabar. Sem uma ponta sequer de desconfiança. Está lá, em primeiríssimo lugar, a Libestod de Tristão e Isolda, de Wagner.

Quem já presenciou a minha escuta deste trecho de ópera sabe do que estou falando. É como se todas as coisas possíveis de um ser humano sentir pudessem cohabitar um espaço mínimo de existência. É como se uma vida toda se compactasse em menos de 10min de sons devidamente coordenados. Eu saio destruído: chorando-rindo, fisicamente enfraquecido, com o espírito devidamente tonificado. Difícil pensar em algo que me tenha causado tanto impacto, mesmo que fora da arte.

Só há uma coisa (devo dizer), entretanto, que me extasia mais: a Libestod regida por Karajan. Mais exatamente ainda: a última apresentação de Karajan, na qual ele regeu a obra magnificamente, se é que isso não seja uma espécie de tautologia.

O video está aí embaixo. Notem como o maestro parece um compositor-bailarino: compositor porque se tem a impressão de que a música está brotando dele ali mesmo, numa espécie de parto. Bailarino porque ao enviar a música à orquestra, ao transmiti-la aos músicos, parece fazê-lo num bailado-parto alucinante, onde as notas parecem ser enviadas por algum tipo de onda àqueles que irão, finalmente, produzi-las.

Percebam ainda que, ao final, o maestro estufa o peito num último gigantesco suspiro, levantando os ombros, e que, ainda que a música já tenha terminado, as palmas não aparecem. Elas só surgirão quando o maestro abaixar guarda, dando a batalha como vencida. Maravilhoso!

É preciso dizer mais alguma coisa? Não: escutem, e vejam.

E feliz mil visitas pra todos nós!!!



24.8.08

Do filósofo-poeta, ou poeta-filósofo

Antonio Cicero, na Folha de ontem:

NÃO sou o primeiro e certamente não serei o último a criticar o abuso da palavra "elite" no Brasil. Como não fazê-lo? Em política, a imprecisão conceitual só serve aos oportunistas.

É sobretudo no vocabulário de quem se considera "de esquerda" que essa palavra costuma aparecer. Seu uso entre "soi-disant" marxistas resulta de um desleixo conceitual que mostra que nem mais eles levam a sério a teoria em que pretendem se basear.

O emprego da palavra "elite" na sociologia se estabeleceu a partir das obras de Vilfredo Pareto e de Gaetano Mosca. Sua pretensão era substituir o conceito marxista de "classe dominante". Pareto afirmava que há, em toda sociedade, um estrato inferior e um estrato superior. O estrato superior constitui a elite, que é composta pelos indivíduos mais capazes. Segundo Mosca, o domínio da minoria sobre a maioria se explica pela organização da primeira, que é composta por indivíduos que possuem um atributo, real ou aparente, altamente valorizado pela sociedade em que vivem.
Ao criticar as "teorias da elite", os marxistas atacaram tanto a pretensão, nelas embutida, de que a estratificação social seja supra-histórica, universal, eterna, quanto o fato de que elas desviam atenção do fundamental, que é a base econômica da sociedade.

Suponho que os marxistas brasileiros tenham ignorado essas e outras críticas em conseqüência, pelo menos em parte, da influência que sofreram de políticos e intelectuais não-marxistas, durante a luta contra a ditadura. Entre esses, destaca-se, por exemplo, o antropólogo Darcy Ribeiro, que não hesitava em falar da "maldade" da elite: "velha elite, feita de filhos e netos de senhores de escravos calejados na maldade; de ricaços descendentes de imigrantes que olham de cima, com desprezo, a quem não enricou também; e sobretudo desta casta de gerentes das multinacionais, só leais a seus patrões".

Segundo essa perspectiva, é por culpa de uma elite má que temos os problemas que temos. O Brasil, diz Darcy, é "um país que não deu certo, por culpa não do seu povo, mas das elites". "Maldade", "culpa": é fácil entender que também os teólogos da libertação – católicos – tenham se reconhecido nessa linguagem, excelente catalisadora de todo ressentimento difuso.

Tal tipo de "explicação" psicologista da realidade social é absolutamente incompatível com o pensamento de Marx, em que não entram em jogo "culpas" ou "maldades". Para Marx, a relação das diferentes classes sociais entre si é determinada em primeiro lugar pelo caráter das relações de produção vigentes na formação sócio-econômica em consideração.

De todo modo, não é difícil entender como, paradoxalmente, a vulgarização da teoria das elites –que havia sido introduzida na sociologia para enfrentar as teorias liberais e socialistas, e que era simpática ao fascismo – pôde dar subsídios exatamente para a execração das elites. É que, já que a dominação destas não se explica pela estrutura econômico-social, mas pela sua putativa superioridade, é concebível que essa "superioridade" se reduza ao maquiavelismo com que se supõe que elas submetem as massas, por meio da doutrinação, da violência, da intimidação, da intriga, da corrupção, do engodo: em suma, da "maldade".

Já a facilidade dessa inversão vulgar do sentido da teoria das elites seria suficiente para evidenciar sua inanidade teórica. Mas isso não é tudo. Além de não ser capaz de explicar coisa nenhuma, a noção de "elite" é vaga demais para ter qualquer eficácia cognitiva.

Essa ineficácia ficou comicamente clara no ano passado, quando o apresentador de programa de televisão Luciano Huck, ao ter seu relógio roubado, escreveu um artigo na Folha, queixando-se da insegurança das cidades brasileiras. Uma enxurrada de cartas à redação o atacou, alegando que, pertencendo à elite, ele não tinha qualquer direito de se queixar. Uma delas foi do cantor Zeca Baleiro. No dia seguinte, uma leitora escrevia: "Lamentável o comentário dele sobre o texto de Luciano Huck – como se Zeca Baleiro não fizesse parte dessa elite".

O fato é que, cada vez mais, também a classe média tem sido chamada de "elite" pela esquerda. Consequentemente, como as estatísticas indicam que o Brasil é cada vez mais um país de classe média, trata-se sem dúvida de um país em que, segundo a esquerda, quase todos fazem parte da elite. Será a pior elite do mundo, como muitos afirmam? Não sei; mas é certamente a mais autoflagelante.

18.8.08

E o Paulo Freire, é coisa nossa...

Estava lendo algumas páginas de "Pedagogia da Autonomia", do Paulo Freire, por sugestão de uma colega que citou o livro em seu blog.

Para ser sincero, bastante sincero, fiquei mais assustado do que qualquer coisa. O livro me pareceu bastante confuso no que diz respeito a algumas conceitualizações, e peca muito ao repetir algumas balelas ideológicas que não fazem o menor sentido quando contrastadas com dados, principalmente os da história recente. Isto tudo por um motivo: "Pedagogia da Autonomia" não é apenas um livro que trata sobre educação – a este respeito, coisas até interessantes são ditas – mas pretende ser um libelo marxista, um grande panfleto que mistura economia, ética e política, tudo devidamente lido nas chaves do materialismo histórico.

É de se destacar, entretanto, que estas chaves de leitura se apresentam fazendo uso também de inúmeros conceitos (ou pseudo conceitos) fenomenológicos, tão acessados que acabam por dar as cartas no que diz respeito à linguagem do texto. Isto faz com nos lembremos bastante (mutatis mutandis)da segunda fase do pensamento sartreano, e falo aqui de "Crítica da Razão Dialética".

Aliás, aproveitando a entrada, dialética é algo que não falta no livro: além do próprio termo ser usado algumas vezes, os seus afluentes estão em todos os lugares: não linearidade do caráter evolutivo, seja em qual área for; passagem da quantidade a qualidade; a negação da negação – tudo colocado de uma maneira que chega a parecer uma leitura didática da obra do barbudo. Aliás, barbas não mentem, não é? Hehe

Mas o que parece mesmo ser a preocupação de Freire - além das questões pedagógicas, inclusive - é estabelecer um enfrentamento com o famoso texto de Fukuyama sobre o fim da história. A partir deste posicionamento, toda a presepada é despachada já a partir da introdução. À opção óbvia pela concepção histórica de natureza humana se segue uma ética caduca, fruto claro desta pueril escolha, e que repete aquilo que já sabemos ser, empiricamente – e ele já tinha como saber também – uma piada: se você é vermelho você é bom, se você é azul você é mal. Tudo assim, posto como algo do campo das transcendências, tão péssimo quanto a análise que é feita da relação entre capitalismo e educação.

Outro ponto que me chamou a atenção foi o uso exacerbado do termo crítica. Longe do sentido kantiano, a "crítica" de Freire parece se referir ao simples ser do contra, ainda que este ser do contra seja a propedêutica do que ele chama de “curiosidade epistemológica”.

É uma pena que o próprio Freire tenha caído na armadilha de se utilizar não apenas de conceitos básicos problemáticos, mas que se tenha deixado levar pelas leituras mais estranhas destes conceitos. Tais conceitos e leituras acabaram por impedir uma observação menos bipartida do mundo, observação esta que não escamotearia todas as nuances da ética, da política, da economia, da ontologia e da própria educação. É preciso que, antes da “curiosidade epistemológica”, sejamos afetados por uma espécie de “curiosidade meta-epistemológica”, a fim de que uma leitura mais livre (autônoma?) do mundo seja possível.

P.S - Há passagens em que Freire diz poder ser lido como um ingênuo, mas que este não vem a ser o caso. Acho que tinha uma pulga atrás da orelha, e por isso este quase argumentum ad hominem. Mas a questão mesmo, como já disse, diz respeito ao que falei em outro lugar: há muito que possuímos ferramentas mais refinadas do que a foice e o martelo, e devemos usá-las.

17.8.08

E estava no Youtube!!!

Em 1990, alguém, talvez um produtor cujo nome é Rupert Hine, teve uma idéia genial: escolheu 250 músicos, gente de todo o mundo, e pediu para que cada um compusesse um trecho de obra, dando aos mesmos somente o tema - One world, one voice. Cada qual faria o que quisesse, ficando o pepino maior para quem fosse montar, dar forma final àquilo tudo, que ao cabo se transformaria em uma só música. A idéia era de atentar a humanidade para questões ambientais, coisa novíssima na época (e não é que, por incrível que pareça, não havia a chatice de hoje!).

Lembro-me de que o vídeo foi exibido na Cultura, em um domingo à noite, e que fiquei absolutamente extasiado com aquilo. A coisa me surgiu na memória agora, e fui correndo para o Youtube: e não é que tinha!!!

Aqui vai a última parte, que é uma mistura de tambores japoneses com a orquestra sinfônica de Leningrado: umas das coisas mais marcantes que eu já vi e ouvi na vida. Para quem quiser, as outras 11 partes podem ser encontradas. O único problema é a qualidade do som. Mas compensa.

Ouvindo isso, parece até que temos jeito...

One World One Voice part 12/12 et fin

Meu nome é Fabiano Conte, tenho 33 anos...

Aceitar um vício não é lá das coisas mais fáceis de se fazer. É preciso muita coragem e, sobretudo, muita cara-de-pau.

Hoje eu vim aqui a fim de fazer isso: de divulgar, de aceitar - melhor dizendo -, de contar a vocês sobre as coisas que me tiram o sono e que, invariavelmente, têm me feito mal: o meu vício em chutney de manga e em Tostitas.


O chutney

O minha primeira experiência com chutney de manga deu-se há uns 3 anos quando uma amiga, a Jany, levou um tanto para um festinha que dei em casa. Confesso que não foi amor à primeira vista, mas foi fácil perceber que havia uma ligação forte entre nós e que algum dia daria no que deu: não posso viver sem o troço. Como arroz, feijão, bife e chutney; macarrão com chutney; pão com queijo e chutney; bolacha água e sal com chutney. O meu recorde foi na terça-feira desta semana: Baconzitos com chutney às 3h da matina. Preciso contar o que aconteceu no dia seguinte?

A necessidade é tanta que aprendi a fazer. Ficava na dependência do meu irmão até descobrir que não é tão difícil assim. Aliás, é até fácil, e o meu ficou uma delícia. Pra quem quiser experimentar... Mas vejam: não me responsabilizo pelo dia seguinte, ou pelo resto de suas vidas.


As Tostitas

A minha relação com as Tostitas começou faz ao menos 20 anos. A questão é que eu apenas gostava delas, não era dependente como agora. Aliás, ser dependente de Tostitas é muito mais difícil do que ser dependente de chutney, e isso porque ela é uma bolacha que não se encontra em qualquer lugar. Na verdade, tenho somente um fornecedor, a quem visito umas duas vezez por semana. São cerca de quatro pacotes a cada 7 dias, comidos com um ritual preciso: primeiro eu tenho que comer a parte de fora da figura que há desenhada na bolacha, figura esta que vocês podem ver abaixo. Só depois, completada a ingestão do lado de fora do quase círculo, é que coloco todo o resto na boca. Preciso... e delicioso.



A única loucura que não fiz até agora foi comer Tostitas com chutney. Tenho medo do efeito, do prazer, da loucura que isto me traria. Pretendo não fazê-lo. O que desejo, agora, é tentar me livrar destas coisas medonhas que me acompanham diariamente, estas muletas sem as quais não consigo viver.

Meu nome é Fabiano Conte, tenho 33 anos, e sou chutnólatra e tostitólatra...

10.8.08

Father's eyes

Fiquei sem ver meu pai por cerca de dois anos. Os seus últimos dois anos. Não fui visitá-lo no hospital quando estava doente, não fui ao seu enterro.

Nunca culpei-me por isso, isso nunca fez com que me sentisse mal. Passei a vida toda atrás do afeto de alguém que era narcisista demais para poder dedicar-se a poucos. Ele precisava da atenção de todos, dos olhos de todos. Era carinhoso sim, mas ausente. No final, errou feio comigo, e cansei-me. Quem me conhece sabe que a minha principal virtude talvez seja a paciência. Tão presente que às vezes se parece com inércia. A questão é que quando as chances se esgotam, a coisa se quebra de vez, e não há volta. Com ele foi assim.

Meu pai era músico. Um bom músico. Provável que esta seja uma das únicas memórias que me fazem realmente sentir orgulho. Lembro-me, com os esfumaçamentos normais da lembrança, de estar em seu colo por muitas vezes enquanto tocava. Os salões cheios, as cabeças saltando, por vezes a escuridão: tudo visto de uma posição estranha, de um ângulo no qual o mundo parecia se elevar de um chão que tinha teclas brancas e pretas, e botões.

Em uma de minhas poucas recordações realmente claras da infância, daquelas com cheiro, temperatura e textura, a música está novamente presente junto a ele. Casa de um amigo, cortina colorida feita com tiras de tecido, quarto, um aparelho de som, pessoas sentadas no chão. Eu sentado entre as pernas de meu pai, que usava um jeans e uma camisa branca. Algumas pessoas fumavam. Algumas tomavam cerveja. Conversavam sobre uma composição interessante, que foi devidamente ouvida, retirada de um long-play.

Pois bem: óbvio que esta música hoje é uma máquina do tempo. Difícil conseguir ouvi-la sem que algo, ao menos em parte, seja retomado, reconstruído. Sensação de proteção, colo ou fascínio: por mais que eu tente impedir, invariavelmente algo volta. Samba pa ti é minha música com meu pai, música da época em que eu não compreendia, e não precisava compreender, como as coisas se passavam de verdade.

Post acima


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9.8.08

fabianescas - Especial Dia dos Pais

Comemoração do Dia dos Pais na escola. Amiguinho do João vem até ele e diz:

- João, vamos até ali brincar?
- Vamos sim... Ah, este aqui é o meu pai.
- Oi, tudo bem?
- Tudo...

Os dois saem papeando, e eu escuto:

- O que é que o seu pai faz?
- Ele é professor.
- Ah é: de quê?
- De filosofia.
- Nossa, e o que é filosofia?

A partir daí eu não ouvi mais. Nem sequer perguntei ao João o que ele respondeu: sei que ele é cara-de-pau e deve ter enrolado o garoto. Por isso, limitei-me a ficar muito, mas muito feliz mesmo, pelo fato de o menininho não ter feito a última pergunta pra mim.

2.8.08

The worm

Há um vírus em mim. Habita meu crânio uma bactéria, um verme, um fungo com o qual eu não agüento mais lidar.

Ele me consome diariamente enquanto durmo. Ele aparece em meus sonhos como um fantasma, um monstro que morde, corta, finca, rasga e, por fim, cospe pedaços meus que observo, que me observo, que me irritam, que destoam, que grudam em meus pés e não soltam.

Não sei mais o que fazer com este bicho. Faixa-preta, galinha preta, crucifixo: já tentei de tudo e não passa, e não sai. Cansei-me do mim mesmo quando estou com este animal. Os outros se cansarão também de mim. Haverá um momento, um tratamento eficaz, uma fuga?

O verme ri: finca a bocarra nos intestinos de minha memória e gargalha. Saio daqui para me encontrar com ele. De novo.

Já sei que pela manhã, antes até de acordar, aquilo que me diz quem sou doerá como uma úlcera.