30.1.12

Bluebird (Pássaro Azul) - Charles Bukowski





there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pour whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?




Pássaro azul


 Há um pássaro azul em meu coração que
quer sair
mas eu sou mais forte que ele,
Eu falo, fica aí dentro,
eu não vou deixar ninguém te ver.
Há um pássaro azul em meu coração que
quer sair
mas eu derramo uísque nele e aspiro
fumaça de cigarro
e as putas e os barmen
e as caixas do mercado
nunca sabem que
ele está
aqui dentro.


Há um pássaro azul em meu coração que
quer sair
mas sou mais forte que ele,
Eu digo, fique aí, você quer me pôr
em apuros?
você quer estragar meus trabalhos?
você quer estragar as vendas dos meus livros na
Europa?"
Há um pássaro azul em meu coração que
quer sair
mas eu sou mais esperto, só deixo ele sair
de noite, às vezes
quando todos estão dormindo.
Eu falo, sei que você está aí, então não fique
triste.
Então o coloco de volta
mas ele ainda canta um pouco aqui dentro, eu não o deixei
morrer totalmente.
e a gente dorme junto
desse jeito
com nosso
pacto secreto
e é delicado o suficiente
para fazer um homem chorar, mas eu não choro,
você chora?















17.1.12

LEMBRANÇA D'ÁFRICA - Ungaretti

RICCORDO D'AFRICA

Il sole rapisce la città

Non si vede più


Neanche le tombe resistono molto



LEMBRANÇA D'ÁFRICA

 O sol sequestra a cidade

Nada mais se vê

Sequer os túmulos resistem muito





13.1.12

Agir para fazer bonito - Contado Calligaris

Texto publicado ontem na Folha. Certeiro eu diria, tanto com as coisas todas, quanto com o que vem se passando nos últimos tempos nesse blog. Uma introdução perfeita para a finalização da história.   



Os psicólogos desconfiam um pouco da expressão "força de vontade", à qual todo mundo recorre (sobretudo para denunciar as fraquezas -as nossas e as dos outros), mas sem que a gente saiba direito o que ela designa. 

Por isso, estou lendo "Willpower, Rediscovering the Greatest Human Strength" (a força de vontade, redescobrindo a maior força humana), de R. Baumeister (um psicólogo que aprecio) e J. Tierney (jornalista do "New York Times"), ed. Penguin. O livro (p. 152) me fez conhecer o site www.stickK.com (que foi criado, aliás, para servir de amostra para pesquisas). 

No site, o usuário se engaja contratualmente a cumprir um plano que implique um engajamento sério, se não uma reorientação de vida -desde o trivial, como emagrecer ou parar de roer as unhas, até metas, aspirações, desejos e ambições que justificam uma existência, passando por aquelas experiências irrenunciáveis que alguém quer ter ao menos uma vez, antes de morrer. 

Ao escolher sua resolução, o usuário é convidado a nomear um árbitro: alguém que lhe seja próximo, que não seja um cúmplice qualquer e que possa, portanto, confirmar honestamente os progressos que o usuário declarará conseguir, no diário de seus esforços, que será acessível no site.
Além do árbitro, o usuário é também encorajado a escolher um número indefinido de amigos, que serão informados de seu propósito inicial e de seus avanços ou fracassos (eles terão acesso ao diário e aos comentários do árbitro). Na hora em que ele declara seu propósito, o usuário também estabelece uma punição para si mesmo, caso ele fracasse. 

Essa punição pode ser moral (um e-mail contando a história do malogro para uma lista de amigos e conhecidos) e/ou financeira -por exemplo, uma doação para a instituição que o usuário mais deteste (imaginemos que você pertença a uma igreja que é ferozmente contra a ideia do casamento gay e que você não consiga, sei lá, estudar seis horas por dia; pois bem, você passara a contribuir ao Grupo Gay da Bahia, de acordo com suas possibilidades financeiras). 

A análise de 125.000 contratos feitos nos últimos três anos indica que os usuários que não nomearam um árbitro ou não se impuseram punições financeiras chegaram a um resultado positivo só em 35% dos casos. E a porcentagem de sucessos foi de 80% quando houve árbitro, amigos e punição financeira. 

Existem experiências similares. Nas Filipinas, houve fumantes que depositavam a cada dia um dinheiro que eles perderiam se, depois de seis meses, houvesse rastos de nicotina em sua urina (o cigarro é poderoso: mais da metade perdeu seu depósito -em compensação, os que conseguiram pararam de fumar de vez). E houve a "Dieta da Humilhação Pública" de Drew Magary, que se engajou a tuitar seu peso a cada dia e conseguiu assim perder 30 quilos em cinco meses. 

À primeira vista, em suma, não agimos segundo o que achamos certo, por "força de vontade", mas para evitar punições e vergonhas. Ou seja, não somos nunca verdadeira e corajosamente bons, apenas queremos fazer bonito e não perder dinheiro (ainda menos em prol de nossos inimigos). 

Haverá moralistas para dizer que a sociedade contemporânea nos transforma nesses invertebrados morais -sem princípios, apenas interessados na opinião dos outros e em nosso interesse imediato. Mas, nos exemplos de Baumeister e Tierney, eu não vejo um sinal de decadência moral -ao contrário. Claro, como muitos, eu mesmo acharia mais fácil ser dotado de um caroço moral, do qual eu pudesse dizer: "Este sou eu, quer os outros me reconheçam ou não, e tanto faz que eu seja recompensado ou punido por isso". 

Mas não é o caso de sermos nostálgicos: nas sociedades tradicionais (presentes, passadas ou futuras), menos ainda do que hoje, os cidadãos tampouco dispõem de um caroço moral. Eles agem por medo da punição - agora ou no além. E eles agem por vergonha, diante de grupos instituídos de anciões, padres, pastores ou notáveis. 

No conjunto, quanto à punição, eu prefiro arriscar o que eu mesmo apostei ao assinar meus contratos. E, quanto à vergonha, prefiro que seja diante dos pares com quem eu me engajei, ou então, diante da sociedade inteira. 

Ou seja, sem ironia, como penso há tempos, nossa época é mais de progresso do que de decadência moral.

3.1.12

TÉDIO - Ungaretti

NOIA

Anche questa notte passerà

Questa solitudine in giro
titubante ombra dei fili tranviari
sull'umido asfalto

Guardo le teste dei brumisti
nel mezzo sono
tentennare


TÉDIO

Também esta noite passará

Esta solidão ao redor
hesitante sombra dos fios elétricos
sobre o úmido asfalto

Observo as cabeças dos enevoados
em meio ao sono
vacilar






1.1.12

O dia em que apertei a mão do poeta

Sim, eu também tenho ídolos. Todos nós os temos. A maioria dos meus escrevem ou escreviam.


Na semana passada, eu apertei a mão de um deles e me senti novamente criança: cumprimentando o Papai Noel, achando os ovos de Páscoa, um passo acima da realidade, no mundo da ideias, na lua.

os fios telegráficos simplificam as enchentes e as secas
os telefones anunciam a dissolução de todas as coisas
a paisagem racha-se de encontro com as almas


Ele estava lá, bem na minha frente, lendo seus poemas, dizendo seus textos, fazendo suas divagações, sendo sarcástico consigo mesmo.

O poeta tem 68 anos, sofre de Mal de Parkinson, mas não perde a fala potente, a língua construtora.

o vento sul sopra contra a solidão das janelas e as gaiolas de carne crua
Eu abro os braços para as cinzentas alamedas de São Paulo
e como um escravo vou medindo a vacilante música das flâmulas



Eu, como um aluno aplicado, levei os meus livros e acompanhei as leituras com o poeta. Descobri coisas novas em palavras que havia lido cem vezes. Nas fotos que havia olhado tantas e tantas. Novas revelações que eu via como quem vê pela primeira vez um acrobata.

e um milhão de vaga-lumes trazendo estranhas tatuagens no ventre
se despedaçam contra os ninhos da Eternidade


O encontro estava próximo do fim. O que eu faria depois? Será que o poeta maldito, que sabia muito de filosofia, muito de história, muito de literatura, receberia alguém? Daria autógrafos? Algumas pessoas se dirigiram à mesa. Eu fui atrás.

minha vertigem entornando a alma violentamente por uma rua estranha
os insetos as nuvens costuram o espaço avermelhado de um céu sem dentes


O poeta visionário, louco, era naquele momento um senhor doce, tranqüilo, que trazia carimbos para os autógrafos.


Pegou o meu livro e disse – Ah, você gosta de Paranóia é... – e eu – Poxa, é uma referência pra mim, uma paixão - ou seja, aquela fala inútil de fã.

E ele - Eu tinha 22 anos nesta época. Eu era bonito, né? Agora virei este caco.

O poeta colocou os carimbos, assinou com a mão trêmula.




Eu disse – Olha, eu trouxe uns poemas que escrevi pensando na sua obra, mas não sei se tenho cópias em casa.

Ele pegou os papéis, escreveu um endereço e falou – Mande pra cá, pra minha casa. Devolveu pra alguém uma caneta que havia emprestado, virou-se pra mim e perguntou - Qual o seu nome? Eu respondi.

Ele estendeu a mão e me disse – Muito prazer.






Que novo pensamento, que sonho sai de tua fronte noturna?
É noite. E tudo é noite.


E eu fui embora com meus presentes. Com minhas novas lembranças de criança. Divagando.

Eu havia apertado a mão do poeta. A mão que havia produzido sonhos que eu adorava ter.

Estranho, isto me fez produzir lembranças do tipo das que eu não deveria mais guardar na minha idade. Lembranças que de tão doces parecem carinhos de avó.

Onde exercitas os músculos de tua alma, agora?
Aviões iluminados dividem a noite em dois pedaços
Eu apalpo teu livro onde estrelas se refletem
Como numa lagoa


Eu também tenho ídolos.

P.S - Este texto é de 16/10/2006. O poeta se foi em 03/07 de 2010.

Estudos para uma bailadora andaluza - João Cabral de Melo Neto

          

          1
Dir-se-ia, quando aparece
dançando por siguiriyas,
que com a imagem do fogo
inteira se identifica.


Todos os gestos do fogo
que então possui dir-se-ia:
gestos das folhas do fogo,
de seu cabelo, sua língua;

gestos do corpo do fogo,
de sua carne em agonia,
carne de fogo, só nervos,
carne toda em carne viva.

Então, o caráter do fogo
nela também se adivinha:
mesmo gosto dos extremos,
de natureza faminta,

gosto de chegar ao fim
do que dele se aproxima,
gosto de chegar-se ao fim,
de atingir a própria cinza.

Porém a imagem do fogo
é num ponto desmentida:
que o fogo não é capaz
como ela é, nas siguiriyas,

de arrancar-se de si mesmo
numa primeira faísca,
nessa que, quando ela quer,
vem e acende-a fibra a fibra,

que somente ela é capaz
de acender-se estando fria,
de incendiar-se com nada,
de incendiar-se sozinha.

          2
Subida ao dorso da dança
(vai carregada ou a carrega?)
é impossível se dizer
se é a cavaleira ou a égua.

Ela tem na sua dança
toda a energia retesa
e todo o nervo de quando
algum cavalo se encrespa.

Isto é: tanto a tensão
de quem vai montado em sela,
de quem monta um animal
e só a custo o debela,
como a tensão do animal
dominado sob a rédea,
que ressente ser mandado
e obedecendo protesta.

Então, como declarar
se ela é égua ou cavaleira:
há uma tal conformidade
entre o que é animal e é ela,

entre a parte que domina
e a parte que se rebela,
entre o que nela cavalga
e o que é cavalgado nela,

que o melhor será dizer
de ambas, cavaleira e égua,
que são de uma mesma coisa
e que um só nervo as inerva,

e que é impossível traçar
nenhuma linha fronteira
entre ela e a montaria:
ela é a égua e a cavaleira.

          3
Quando está taconeando
a cabeça, atenta, inclina,
como se buscasse ouvir
alguma voz indistinta.

Há nessa atenção curvada
muito de telegrafista,
atento para não perder
a mensagem transmitida.

Mas o que faz duvidar
possa ser telegrafia
aquelas respostas que
suas pernas pronunciam
é que a mensagem de quem
lá do outro lado da linha
ela responde tão séria
nos passa despercebida.

Mas depois já não há dúvida:
é mesmo telegrafia:
mesmo que não se perceba
a mensagem recebida,

se vem de um ponto no fundo
do tablado ou de sua vida,
se a linguagem do diálogo
é em código ou ostensiva,

já não cabe duvidar:
deve ser telegrafia:
basta escutar a dicção
tão morse e tão desflorida,

linear, numa só corda,
em ponto e traço, concisa,
a dicção em preto e branco
de sua perna polida.
          4
Ela não pisa na terra
como quem a propicia
para que lhe seja leve
quando se enterre, num dia.

Ela a trata com a dura
e muscular energia
do camponês que cavando
sabe que a terra amacia.

Do camponês de quem tem
sotaque andaluz caipira
e o tornozelo robusto
que mais se planta que pisa.

Assim, em vez dessa ave
assexuada e mofina,
coisa a que parece sempre
aspirar a bailarina,

esta se quer uma árvore
firme na terra, nativa,
que não quer negar a terra
nem, como ave, fugi-la.

Árvore que estima a terra
de que se sabe família
e por isso trata a terra
com tanta dureza íntima.

Mais: que ao se saber da terra
não só na terra se afinca
pelos troncos dessas pernas
fortes, terrenas, maciças,

mas se orgulha de ser terra
e dela se reafirma,
batendo-a enquanto dança,
para vencer quem duvida.

          5
Sua dança sempre acaba
igual como começa,
tal esses livros de iguais
coberta e contra-coberta:
com a mesma posição
como que talhada em pedra:
um momento está estátua,
desafiante, à espera.

Mas se essas duas estátuas
mesma atitude observam,
aquilo que desafiam
parece coisas diversas.

A primeira das estátuas
que ela é, quando começa,
parece desafiar
alguma presença interna

que no fundo dela própria,
fluindo, informe e sem regra,
por sua vez a desafia
a ver quem é que a modela.

Enquanto a estátua final,
por igual que ela pareça,
que ela é, quando um estilo
já impôs à íntima presa,

parece mais desafio
a quem está na assistência,
como para indagar quem
a mesma façanha tenta.

O livro de sua dança
capas iguais o encerram:
com a figura desafiante
de suas estátuas acesas.

          6
Na sua dança se assiste
como ao processo da espiga:
verde, envolvida de palha;
madura, quase despida.

Parece que sua dança
ao ser dançada, à medida
que avança, a vai despojando
da folhagem que a vestia.

Não só da vegetação
de que ela dança vestida
(saias folhudas e crespas
do que no Brasil é chita)

mas também dessa outra flora
a que seus braços dão vida,
densa floresta de gestos
a que dão vida a agonia.

Na verdade, embora tudo
aquilo que ela leva em cima,
embora, de fato, sempre,
continui nela a vesti-la,

parece que vai perdendo
a opacidade que tinha
e, como a palha que seca,
vai aos poucos entreabrindo-a.

Ou então é que essa folhagem
vai ficando impercebida:
porque terminada a dança
embora a roupa persista,

a imagem que a memória
conservará em sua vista
é a espiga, nua e espigada,
rompente e esbelta, em espiga.