18.6.17

Cidade

Ontem caminhava pela praça do Centro de Convivência e pensava no quanto minha cidade é bonita nessa época do ano. Que sua luz, as cores, o céu, são quase incomparáveis no inverno. O gracejo se estancou por aí. O fato é que não tenho conseguido mais andar por essas ruas. Há lembranças demais se colocando em cada esquina, em simples atalhos, exagerando em grandes avenidas. Andar por Campinas, hoje, me dói.
Nostalgia é uma palavra que tanto deveria pesar? Em mim, sempre carregou algo de melancólico demais. Busco explicações. As histéricas sofrem de reminiscências. As pessoas de 40 anos, também? A cada passo uma nova. Um gostaria de viver aquilo de novo, ou ter novas chances. Metade da praça, meu filho bebê, sorrindo. Outro lado, eu sentado em quase desespero com flores entre as mãos. Devo deixar um envelope nesse banco contando minha história daquele dia? E nesse? Nesse agora?
Aqui havia um bar onde sorri com quase desconhecidos numa noite quente. Não sei o ano. Aqui havia outro, com outras tantas confusões. A cidade está repleta de fantasmas que se perpassam, que convivem em diferentes tempos. O sorvete com minha avó, o teatro com alguém que não me lembro o nome. Nessa casa abandonada, certa vez, fiz um poema para uma amiga. Quase incendiamos uma padaria numa comemoração divertida de aniversário. Bem ali. Os prédios tombam, mas não levam tudo o que deveriam.
Pensei em me mudar. Pela primeira vez pensei realmente em me mudar. Imagino que muitos o façam pelo mesmo motivo. Não sei se daria certo. Aconteceria o mesmo em qualquer lugar que fosse. Ao contrário do que dizem as agências de viagem e a moda de estar fora, as cidades nunca são tão diferentes assim. Há aquela esquina que sempre se parecerá com alguma esquina que já está comigo, e é justamente por conta e através desta que aqui está que consigo ver todas as outras. Uma rua diferente será diferente porque houve uma igual. Entre a igualdade e a diferença, um ajustamento que é a memória. Uma adequação da lembrança. Essa coisa de, na verdade, estar no mesmo lugar.
Não consigo mais andar por Campinas. Meu avô me levando ao campo de futebol, eu preso no trânsito, comendo pastel na feira depois de ter passado a noite acordado, ouvindo Mauricio Pereira pela primeira vez. A escolha do caminho determina o trilhamento da lembrança. Há caminhos que não quero mais fazer porque sei em que imagens mentais vão dar. Não há viadutos ou pontes nos percursos da memória. Não nas minhas.
Camadas e camadas de rumores, coloridos e saudade. A cidade zoneada a pás e pás de história. Às vezes um pouco de desatenção e estou dentro de uma geleia de coisas que lembro. Por ali não vou; a lembrança já aponta na quina do cérebro e não, por ali não. Há hidrantes de taquircardia. De faltas de ar. Meu outro avô morreu ao repisar a rua de casa depois de anos de fuga. Será?
Tenho declinado convites, caminhado dentro de tentativas de disfarce, andado quadras e quadras ao buscar criar desvios mentais. Nada funciona. Nada. Sinaleiros do tempo. Tem sido difícil caminhar pela minha cidade. Espíritos atravessam as ruas comigo de mãos dadas e, como a uma criança, me entregam à dorida lembrança seguinte. Andar por Campinas dói. Penso na realidade da luz de inverno que admirei ontem.

Era de ontem?