26.1.07

Só mais uma coisa

Então, só mais essa. Todo mundo fica me perguntando sobre o meu mestrado.
Vai aí então uma parte do projeto, que já dá pra mostrar o que quero fazer.


3.3 Gostaríamos neste primeiro momento de esclarecer que nossa opção pela passagem integral, ainda que sucinta, por Totem e Tabu, se fundamenta na essencialidade do texto.

O “mito científico” e seus componentes edificadores serão transcritos à exaustão, seja no trato do desenvolvimento da religião (O futuro de uma ilusão, Moisés e o Monoteísmo), seja na explanação sobre a gênese da cultura (O Mal-Estar na Civilização) ou no esclarecimento da condução das massas (Psicologia das Massas e Análise do Eu), transpondo assim sua estrutura para o interior dos textos referentes a tais abordagens.

O paradigma essencial freudiano, portanto, recairá sobre a fundação histórica do conflito edipiano e sua potência abarcadora no domínio das relações.

Em uma primeira aproximação para com os trabalhos de Feuerbach, além das analogias já referidas pela leitura destas duas pequenas introduções, as explanações de proximidade mais acentuada nos textos freudianos se encontrarão certamente em “O Futuro de uma Ilusão”. Em trechos como “tenho intentado mostrar que as representações religiosas provêm da mesma necessidade que todos os outros da cultura: preservar o homem frente ao poder hipertrófico e deformador da natureza”, ou o final do capítulo IV, onde as vias conectivas entre o exposto em Totem e Tabu e o desamparo frente à natureza são estabelecidas, com recorrência ao desamparo infantil como paradigma desta relação, as remissões são imediatas, assim como em alguns momentos do trabalho de desvelamento imposto pela metapsicologia.

Esta mesma metapsicologia que, aliás, deverá ser manuseada em busca das colunas sobre as quais se assentam as representações religiosas. Acreditamos que a basilar, agora exposta sucintamente, desenha-se desde o sexto capítulo de “O Futuro de uma Ilusão”, e elucida-nos sobre o funcionamento de dispositivos teóricos essenciais atrelados a questões de igual monta a qual esclarece, a saber, como criamos, de quais estruturas nos utilizamos para tanto, e de que forma podemos crer em ilusões.

Expõe Freud:

O característico da ilusão é que sempre deriva de desejos humanos; neste aspecto se aproxima da idéia delirante (Wahnidee) da psiquiatria...

Sigamos a pista aventada percorrendo as linhas da psiquiatria. Mais precisamente, as de Eugen Bleuler, em seu Lehrbuch der Psychiatrie editado em 1916:

O que na língua alemã chamamos de delírio são estados confusionais ligados a alucinações e idéias delirantes.

Ora, alucinações ensejadas por desejos não são estranhas às páginas de Freud. Para que tal particularismo se expresse, basta-nos uma remissão ao “Projeto”, onde nas determinações sobre a Vivência de Satisfação (Befriedigungserlebnis) tal conexão encontra-se aclarada (via desamparo), com maiores pistas oferecidas tanto pela terminologia quanto por formulações aproximadas entre os dois textos. Tal linha nos levará ainda, inequivocamente, para as páginas de “A Interpretação dos Sonhos”, e conceitos como o de fantasia e regressão.

Disto inferimos, também, que se a metapsicologia em Totem e Tabu adorna cada passo do caminho, nos textos seguintes sobre o caráter religioso esta deverá ser cuidadosamente escavada.

Considerando agora metodologicamente o corpo de nosso trabalho, esclarecemos que a opção epistemológica pelo reconhecimento da circularidade entre antropologia e psicanálise na construção do caráter religioso se oferece em resposta ao seguinte questionamento: sendo a metapsicologia mais extensa do que a aplicada aos textos sobre religião (ou cultura), quais os requisitos necessários para a eleição dos termos utilizados?

Entendemos que a resposta não seja intrínseca à psicanálise, mas se apresente justamente no limiar entre esta e o que ela propõe esclarecer.

Por derivação primária e inerente ao campo psicanalítico, não acreditamos que a metapsicologia possa agir por si, mas que se acopla e acomoda a dados exteriores na obtenção de seus resultados sobre o tema.

Como resultado secundário, ocorre o enquadramento da psicanálise como participante histórica de um dado contexto interpretativo das representações religiosas, contexto este claramente vislumbrado na obra de Ludwig Feuerbach. Do exposto concluímos que uma explanação acerca do desenvolvimento interno à psicanálise do problema elencado não seria satisfatório, e que uma análise epistemológica concentrada também em uma das vertentes da conjuntura filosófica em que tais idéias foram gestadas se apresentaria imprescindível para um vislumbre genealógico da teoria, apresentando as viragens comunicadas às noções externas para que estas se inscrevessem no corpo psicanalítico, transmutando-se deste modo em parte de sua nosologia.

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