25.10.08

A rasidão

A rasidão não é algo que aparece de surpresa. Assim como um balde furado se esvazia, uma piscina se esvazia, uma latrina se esvazia, você também é capaz de esvaziar-se. E mais: assim como os objetos citados, você não tem a mínima consciência de estar a perder algo. A sua, ou a nossa diferença para com os baldes e as piscinas e as latrinas se dá apenas quando a coisa já se perdeu, esvaiu-se, morteceu.

Quando este ponto é chegado, a renitência das coisas diárias força o surgimento de uma consciência que é trazida de fora. O que se exige não encontra onde nadar, se angustia e se bate, bate em você, que sufoca e só então repara.

Só poder reproduzir automatismos é um dos primeiros sinaisintomas da rasidão. Ele não dói, não pode ser percebido comportamentalmente e, portanto, não exige remédios ou terapias.

Já o segundo sinalsintoma da rasidão machuca bastante, muito. É quando ela se torna reflexiva, ou seja, você reconhece com todos os pregos, arames farpados, agulhas, alfinetes e lanças que são inerentes ao reconhecer, que perdeu a manivela do ímpeto.

E o que sou eu sem alavanca? Boçal, é mais do que provável.

Um rato.

Uma semilatrina, um semibalde, uma semipiscina.

A rasidão impede, dentre todas as outras isquemias, que se articule o suficiente sobre ela.

Um comentário:

Flávio P. Reis disse...

É isso mesmo...
Perfeito do início ao fim!
Show de bola!