4.10.08

O pardal hobbesiano

Sentei-me à mesa com uma garrafa d´água e um salgado na mão. O pardal não demorou-se a aparecer. Pousou bem à minha frente e disparou-me um olhar que me fez compreender facilmente o que se passava: - Tá bom, tá bom... toma aí um pedaço.

Coloquei o naco sobre a mesa. Ele pegou-o rapidamente e foi ao chão. Ali, prendeu-o de maneira agressiva entre o bico e voou. Foi-se embora. Achei tudo muito estranho: era a primeira vez que um pássaro havia se comportado, ao menos na minha frente, como um cão. E mais: parecia que eu conhecia aquele bicho cinza de algum lugar.

É claro que tal acontecimento foi suficiente para gerar algumas digressões, sendo a mais tola delas o fato de achar que ali, naquele momento, eu ou havia ganho um amigo, ou então reencontrado um que já houvera passado ao outro lado e se transformado, sei lá por quais regras transcendentais, num pássaro dos mais comuns.

Estava neste ponto de elaboração das minhas doidices quando o bichinho voltou. E desta vez foi mais interessante, apesar de menos discreto e de me permitir menos delírios. Postado no mesmo lugar de antes, desta feita não olhou: piou (não sei o nome do barulho do pardal, portanto vai piar mesmo). E piou, digamos, nervosamente. Um pio gritado, se é que isso existe e que vocês me entendem. Eu não tive sequer coragem de discutir. Peguei outro naco e pus sobre a mesa. Assim como antes, o folgado (agora já não era amigo novo ou espírito encarnado: era folgado) foi ao chão. Só que, desta vez, deu cabo da massa ali mesmo, partindo em seguida.

Não retornou mais porque, claro, a comida que por fim dividimos acabou logo a seguir.

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Conclusões óbvias a partir do fato:

1. Estado de natureza é estado de natureza: não interessa se você está de frente para uma minhoca, um homem armado, um pardal, um crocodilo ou uma criança.

2. Se você se comportar de maneira cordata como esperam que você se comporte, você será dominado, e feito de tonto, seja por uma minhoca, por um homem armado, um pardal, um crocodilo ou uma criança.

3. Eu sou feito de tonto constantemente por minhocas, homens armados e desarmados, pardais e crianças. Estou no aguardo dos crocodilos.

4. Eu ando repetitivo. Meu pensamento é circular e me diz sempre o mesmo. Isto significa que eu digo sempre o mesmo a vocês.

5. Gostaria de conhecer pessoas novas. Por conta disso até conjecturei aceitar a amizade de um pardal, que (in)felizmente logo mostrou que não se passava de um interesseiro.

6. Não quero mais papo com pardais.

Um comentário:

Roberto Avila disse...

Malditos pardais!
E malditos sejam os homens armados, as minhocas, os crocodilos e (algumas) crianças.
rssss