4.12.07

Gisele Bündchen (texto atrasado)

Eu agora assino a Newsletter da agência Carta Maior. Sabem como é, né: não posso ficar lendo coisas vindas de um só lado. Na verdade, nunca fiz isso, o que me possibilitou a escolha pelo flanco mais lógico e coerente da batalha. Acontece que eu havia deixado a leitura do outro lado um pouco sem rédeas, à solta, sem a devida voracidade.

Resolvi mudar. Mudar para ser o mesmo. Leiam o texto abaixo e ficará fácil entender o porquê. Meus comentários vão depois.

De novo nossa imprensa comeu bola sobre a Venezuela. Em 2002 foi aquela vergonha dos nossos semanários e comentaristas saírem soltando foguetes na sexta-feira cantando em prosa e verso a queda de Hugo Chávez, enquanto no domingo à noite nele reentrava vitoriosamente no Palácio Miraflores reconduzido pelo povo e por militares legalistas que rejeitaram o tradicional papel sujo que as classes dirigentes sempre atribuíram às Forças Armadas na América Latina.

Desta vez foi o contrário. Embalados por bocas de urna duvidosas, comentaristas no domingo à noite e os jornais conservadores na segunda pela manhã anunciavam a vitória do “sim” no plebiscito venezuelano. As violas, violinos, guitarras, cellos e trombetas já se afinavam à torto e à direita. Seria uma vitória “apertada” numa “Venezuela dividida” e que permaneceria dividida enquanto Hugo Chávez permanecer no poder. Também se lançaria mão dos conhecidos acordes das “instituições em perigo”, do “enterro da democracia”, e por aí afora e adentro.

Pois o “não” ganhou. De repente, passou a importar pouco que as diferenças nas duas partes do plebiscito ficaram em torno de 1%, 1,5%. As manchetes do conservantismo proclamaram em uníssono: “A Venezuela”, assim em bloco, “A Venezuela disse não à reforma de Chávez”.
De quebra, ainda no domingo, falava-se da pesquisa sobre terceiro mandato no Brasil como se a rejeição a essa proposta fosse uma “derrota” para Lula. Enfim, é ainda a busca pelos derrotados em outubro do ano passado por impor alguma “derrota”, seja ela qual for, à vitória de Lula que tiveram de engolir.

Voltando à Venezuela. A vitória apertada do não e as reações subseqüentes confirmaram duas teses que estiveram presentes nas análises aqui da Carta Maior.

A primeiro é a de que o projeto de Chávez passava por dificuldades, que perdera apoios importantes e que as radicalizações do discurso do presidente venezuelano no plano externo visava provocar uma coesão que lhe faltava. Chávez embrulhou importantes e democráticas reformas no plano social com uma abertura para uma continuidade ilimitada no poder, o que provocou dois resultados complicados:

1) Perdeu apoio entre a intelectualidade e em setores do campo estudantil. Pode ser que setores universitários tenham se sentido ameaçados em suas prerrogativas pelas propostas igualitaristas que vinham no bojo do plebiscito. Mas houve uma perda de “impulso ideológico” que abriu espaço para posições contrárias às reformas. O plebiscito, tão complexo em sua totalidade, tendeu a se transformar na resposta a uma única questão, se Chávez poderia continuar indefinidamente na presidência, até que a morte os separasse (não são tolices as alegações de que ele possa ser assassinado), ou não. Isso “emparedou” o plebiscito e, se de um lado, mostrava a força do carisma do presidente, de outro expunha uma das fragilidades do movimento bolivariano, que é a dependência com exclusividade do comandante e do comando de Hugo Chávez. É verdade que, confirmando tese de Max Weber recentemente lembrada por José Luís Fiori em entrevista à Folha de S. Paulo, na América Latina tradicionalmente políticas inclusivas sempre foram bandeira de políticos carismáticos, de estilo acaudilhado e acaudilhantes, nunca dos nossos políticos liberais, que em geral representam aqueles que não se liberam jamais da visão de seus foros de privilégio e de benesses estatais chamadas de “investimento”. Vejam-se os exemplos históricos de Vargas, Perón e Cárdenas

2) A segunda tese presente em análises na Carta Maior foi comprovada, pelo menos de momento, pela reação do presidente Hugo Chávez ao resultado negativo no plebiscito. Ao contrário da direita venezuelana, que não aceitaria a vitória do “sim”, e da direita internacional, inclusive na imprensa, que já preparava a tese da fraude eleitoral, Chávez aceitou de pronto o resultado, ainda que declarasse que o projeto continua de pé. Sua declaração sobre a manutenção do projeto não contraria prática democrática nenhuma. Por exemplo, o projeto de independência ou de maior autonomia do Québec em relação ao restante do Canadá já foi plebiscitado duas vezes nos últimos 28 anos, sem que se levante um único comentarista irado dizendo que isso afronta a democracia. Na América Latina quem volta e meia não respeitou resultado eleitoral ou plebiscitário foi a direita, ou dando golpes depois ou mesmo antes, como nas recentes eleições mexicanas, seguindo o exemplo inaugurado pela “eleição” de Bush filho com a trucagem na Flórida. O comportamento de Chávez comprovou nosso comentário de que na Venezuela sim dividida entre uma massa popular permanentemente excluída da vida republicana e dos direitos da cidadania e uma minoria de privilegiados que patrocinavam um sistema político fechado e inextrincavelmente corrupto, Chávez é um ponto de equilíbrio, e não o contrário.

As manchetes conservadoras se perguntam com estardalhaço qual será agora o futuro de Hugo Chávez e de seu governo. É bom nos perguntarmos qual será o futuro da direita venezuelana, impulsionada por esta inesperada e até incômoda vitória no plebiscito de domingo passado. (Incômoda porque lhe traz a obrigação da democracia, o que é um peso para ela). Retomará sua inspiração golpista que pode lançar o país numa guerra civil?


Estou aqui

Vejam vocês o que é um texto modelo de passarela, um texto símbolo sexual: muito bonito, bem escrito mesmo, mas sem um mínimo de conteúdo. Tadinho!

Pra quem estava no mundo real neste domingo, e não no fantástico mundo de Bobby, a explicação para o comportamento da imprensa brasileira, quiçá mundial, é de uma de uma obviedade até chata.

A primeira notícia que eu, simples mortal (e todas a agências, inclusive a Reuters) recebi sobre o referendo foi a seguinte: pesquisas oficiais de boca de aurna anunciam a vantagem de 10% do Sim. Outros números foram anunciados mas tão logo Chávez soube das informações veio com a sua emblemática democracia: se divulgarem outros dados que não os fornecidos pelo governo, mando fechar o veículo divulgador, ou seja, o canal de rádio ou TV.

Daí se seguiu:

a) O Conselho Eleitoral deveria dar boletins de hora em hora sobre a
apuração, iniciando os trabalhos por volta de 21h ou 22h (horário do Brasil).
b) Esses boletins não foram divulgados e, no lugar deles, "porta-vozes" anônimos do governo começaram a divulgar loucamente os resultados da boca-de-urna e a afirmar que a oposição já sabia o resultado do referendo e deveria se comprometer a acatá-lo.
c) A oposição, ao menos desta vez, agiu inteligentemente e não mordeu a isca. Não gritou "fraude" — acho que era o que pretendia o governo, a fim de encontrar um meio de melar o jogo.
d) Por volta de 2h30 no Brasil, um "porta-voz" anônimo do Conselho Eleitoral anunciou misteriosamente que os resultados seriam entregues aos blocos (governo e oposição) antes de serem divulgados.
e) Menos de uma hora depois, subitamente, o Conselho Eleitoral divulgou a vitória do "Não", e Chávez reconheceu a derrota, mas com um detalhe importante: derrotado por enquanto, disse ele.

Agora outras coisas: a diferença de 1 e 1,5% é balela, porque metade da população venezuelana não compareceu às urnas. Por que será? Lembrando que a votação ocorreu por pacotes, sendo que aquele que continha o Sim para a principais mudanças, dentre elas a reeleição, também alterava a carga horária de 8 para 6 horas diárias. Falcatrua? Claro que não, isso é coisa da nossa mente pervertida que não entende a revolução democrática bolivariana.

Agora uma pergunta: e se o DEM resolve propor e agir aqui no Brasil da mesma forma que Chávez, como a moçada velha ou a velharada moça vai nomear as mudanças?

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