SRA. VIGNE (distraída) - Quais são, senhor Vigne, as ridículas superstições que diz abandonar?
SR. VIGNE - A religião, minha mulher.
SRA. VIGNE - Ah, é! (sobressaltando-se) Então é a religião?
SR. VIGNE - Sim, minha mulher, tenho o prazer de lhe informar que até o presente momento vivemos na ignorância e no erro. Agora, ao contrário, acabo de aprender a verdade: que não há verdade superior e que não existe mesmo verdade alguma, que tudo é acaso, que pode haver fumaça sem fogo e que, enfim, tudo é nada vezes nada.
SRA. VIGNE - Ufa, se não sou eu quem está ouvindo errado, é você que está ensandecido. E, no lugar de dissertar como um arcebispo, seria melhor tomar conta de seu pequeno caixeiro, que está a um passo de explodir após ter se entupido com seus bombons de marshmallow.
SR. VIGNE - Isso vai lhe ensinar, minha mulher. É totalmente indiferente que ele coma marshmallows, que exploda ou que não exploda.
SRA. VIGNE - Agora entendi! É mais um de seus ataques de mau humor. Você terá febre de noite e vai tomar um purgante amanhã, como de hábito.
SR. VIGNE - Pare de ser vulgar, senhora, e não atribua ao mau humor aquilo que advém do puro e nobre conhecimento.
SRA. VIGNE - Eis, com efeito, uma nova ciência, que o levará longe. Bem, seja como quiser, e, já que nada serve para nada, você não vai jantar hoje, ao passo que eu continuarei a chafurdar na ignorância e no erro enquanto como sozinha aquele gordo pernil que Deus -sim, Deus, ele mesmo- nos enviou nessa manhã.
SR. VIGNE - Acontece, minha querida, que você não é um "ser-aí" e por isso é necessário que eu jante bem ainda que nada faça sentido.
SRA. VIGNE - Isso está ficando divertido, meu tresloucado marido, e terei prazer se me explicar essa nova maravilha.
SR. VIGNE - Quer dizer, eu... Enfim, é pelo seu bem que eu devo jantar.
SRA. VIGNE - Pelo meu bem?
SR. VIGNE - Sem dúvida, pois... (ele hesita, depois fala rápido, como um iluminado) ...A partir daquilo que acabo de aprender, eu não sou nada sem você e devo me tornar aquilo que sou ajudando-a a ser aquilo que você é, donde se conclui que, sendo aquilo que sou, devo fazer aquilo que você faz e que, sendo aquilo que você é, você deve me deixar fazer aquilo que é preciso fazer para que você e eu sejamos aquilo que nós somos. Eis a razão pela qual eu devo jantar. Está claro?
SRA. VIGNE - Tão claro que vou agora mesmo ao hospício pedir socorro urgente.
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