Do livro Galáxias, Haroldo de Campos, 1984:
circulado de fulô ao deus ao demodará que deus te guie porque eu não
posso guia eviva quem já me deu circulado de fulô e ainda quem falta me
dá soando como um shamisen e feito apenas com um arame tenso um cabo e
uma lata velha num fim de festafeira no pino do sol a pino mas para
outros não existia aquela música não podia porque não podia popular
aquela música se não canta não é popular se não afina não tintina não
tarantina e no entanto puxada na tripa da miséria na tripa tensa da mais
megera miséria física e doendo doendo como um prego na palma da mão um
ferrugem prego cego na palma espalma da mão coração exposto como um nervo
tenso retenso um renegro prego cego durando na palma polpa da mão ao sol
enquanto vendem por magros cruzeiros aquelas cuias onde a boa forma é
magreza fina da matéria mofina forma de fome o barro malcozido no choco
do desgosto até que os outros vomitem os seus pratos plásticos de bordados
rebordos estilo império para a megera miséria pois isto é popular para
os patronos do povo mas o povo cria mas o povo engenha mas o povo cavila
o povo é o inventalínguas na malícia da mestria no matreiro da maravilha
no visgo do improviso tenteando a travessia azeitava o eixo do sol
pois não tinha serventia metáfora pura ou quase o povo é o melhor artífice
no seu martelo galopado no crivo do impossível no vivo do inviável
no crisol do incrível do seu galope martelado e azeite e eixo do sol
mas aquele fio aquele fio aquele gumefio azucrinado dentedoendo como
um fio demente plangendo seu viúvo desacorde num ruivo brasa de uivo
esfaima circulado de fulô circulado de fulô circulado de fulôôô
porque eu não posso guia veja este livro material de consumo este aodeus
aodemodarálivro que eu arrumo e desarrumo que eu uno e desuno vagagem
de vagamundo na virada do mundo que deus que demo te guie então porque eu
não posso não ouso não pouso não troço não toco não troco senão nos meus
miúdos nos meus réis nos meus anéis nos meus dez nos meus menos nos meus
nadas nas minhas penas nas antenas nas galenas nessas ninhas mais pequenas
chamadas de ninharias como veremos verbenas açúcares açucenas ou
circunstâncias somenas tudo isso eu sei não conta tudo isso desaponta não
sei mas ouça como canta louve como conta prove como dança e não peça que
eu te guie não peça despeça que eu te guie desguie que eu te peça promessa
que eu te fie me deixe me esqueça me largue me desamargue que no fim eu
acerto que no fim eu reverto que no fim eu conserto e para o fim me reservo
e se verá que estou certo e se verá que tem jeito e se verá que está feito
que pelo torto fiz direito que quem faz cesto faz cento se não guio
não lamento pois o mestre que me ensinou já não dá ensinamento bagagem de
miramundo na miragem do segundo que pelo avesso fui destro sendo avesso
pelo sestro não guio porque não guio porque não posso guia e não me peça
memento mas more no meu momento desmande meu mandamento e não fie desafie
e não confie desfie que pelo sim pelo não para mim prefiro o não
no senão do sim ponha o não no im de mim ponha o não o não será tua demão
Do disco Circuladô, Caetano Veloso, 1991:
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