A casa vai ficando velha; as
paredes parecem estar um tanto mais escuras. Porém o mais importante, o mais
decisivo é que as coisas vão se entulhando: cadeiras quebradas, roupas antigas,
armários, parafusos, TVs, sofás, panelas, chaves e cheiros. Tudo devidamente
amontoado, confuso, um tanto amortecido ou um tanto morto.
Engraçado que o movimento mais
óbvio, quando o mundo chega neste pé, é que as coisas antigas se unem às
formigas, às traças e às aranhas. Ah, as aranhas! Ajudam a prender o antigo nas
paredes, como se os objetos com o tempo fossem capazes de por si só emitir
algum tipo de substância indicadora do tempo. É como se a teia fosse o sofá se
fundindo com a parede e a aranha, por sua vez, somente o bichinho que mora lá.
Não se sabe, por vezes, quando se
olha em volta, se a casa dita a vida ou se a vida se projeta na casa. Aliás, é
triste demais quando a vida fica assim, como uma casa sem cuidados. É
necessário, quase sempre, que pensemos neste nosso andamento com acontecimentos
como quem pensa num lar que deve ser reavivado.
É preciso que, no mínimo, de
tempos em tempos, os móveis sejam mudados de posição, que as coisas antigas
ganhem novas funções, que os cheiros passem a ser outros.
Melhor ainda se algumas coisas
forem definitivamente postas no sótão, que as paredes sejam repintadas, que
coisas novas preencham o ambiente, que as janelas e portas se mantenham quase
sempre abertas; mas sabemos o quanto essa forma toda nova é muito mais difícil,
quase impossível.
De tudo isso, entretanto, o mais impossível, o mais
complexo em todas as reformas acontece quando as paredes devem ser quebradas. E
como dói, e como ficamos confusos, batendo a cabeça onde antes nada havia,
fazendo caminhos mais longos, até descobrirmos que o novo arranjo interno da casa
é, realmente, melhor do que o antigo.
Em um dos mais importantes textos
filosóficos da história, as Meditações Metafísicas, Descartes propõe que, ao
menos uma vez em nossas vidas, sejamos capazes de destruir, desde os alicerces,
tudo aquilo que conhecemos, que abandonemos as falsas crenças em favor de
outras, mais verossímeis.
Mas como podemos fazer quando as
crenças mais antigas são aquelas das quais gostamos, ainda que não
necessariamente nos façam bem, nos ajudem?
Enterrá-las no quintal talvez seja
uma boa solução. Plantar uma árvore em cima, melhor ainda. Só assim o antigo, o
mofado, pode alimentar o novo e deixar que sobre o escuro nasça algo diferente; algo
verdinho, verdinho.
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