Nunca culpei-me por isso, isso nunca fez com que me sentisse mal. Passei a vida toda atrás do afeto de alguém que era narcisista demais para poder dedicar-se a poucos. Ele precisava da atenção de todos, dos olhos de todos. Era carinhoso sim, mas ausente. No final, errou feio comigo, e cansei-me. Quem me conhece sabe que a minha principal virtude talvez seja a paciência. Tão presente que às vezes se parece com inércia. A questão é que quando as chances se esgotam, a coisa se quebra de vez, e não há volta. Com ele foi assim.
Meu pai era músico. Um bom músico. Provável que esta seja uma das únicas memórias que me fazem realmente sentir orgulho. Lembro-me, com os esfumaçamentos normais da lembrança, de estar em seu colo por muitas vezes enquanto tocava. Os salões cheios, as cabeças saltando, por vezes a escuridão: tudo visto de uma posição estranha, de um ângulo no qual o mundo parecia se elevar de um chão que tinha teclas brancas e pretas, e botões.
Em uma de minhas poucas recordações realmente claras da infância, daquelas com cheiro, temperatura e textura, a música está novamente presente junto a ele. Casa de um amigo, cortina colorida feita com tiras de tecido, quarto, um aparelho de som, pessoas sentadas no chão. Eu sentado entre as pernas de meu pai, que usava um jeans e uma camisa branca. Algumas pessoas fumavam. Algumas tomavam cerveja. Conversavam sobre uma composição interessante, que foi devidamente ouvida, retirada de um long-play.
Um comentário:
voce escreveu uma não-homenagem muito bonita.
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