Ontem choveu granizo. E granizo me lembra Dona Elza, a avó que me colocava sobre a mesa antes do almoço pra fritar bifes de fígado que segundo ela me tornariam mais forte. A avó que que me colocava sobre a mesa durante a tarde pra fazer bolinhos de chuva em formato de charutos, aqueles que tinham um sabor diferente e os quais nunca mais vou voltar a comer na minha vida. A avó que fazia jarros e jarros de suco de laranja.
Dona Elza foi-se cedo. Acho que com 63 anos. A reincidência de um tumor a levou. Da primeira vez que ficou doente passei meses na cama ao seu lado. Da segunda, tinha tanto medo que ela se fosse que não conseguia vê-la. Arrependo-me por isso.
Dona Elza foi a pessoa mais importante da minha infância. Filha de um português e de uma espanhola, tinha o carisma de um e a força do outro. Era viva, inteligente, irônica, engraçada, esplendorosa e linda. Fazia amigos como quem troca de meias. Ainda sou parado nas ruas por quem, como eu, sente saudades dela.
Sempre que chovia granizo, corríamos pra porta da cozinha pra pegar algumas pedras. Segundo ela, gelo celeste faz bem à pele. Passávamos aquilo no rosto, morríamos de rir, e voltávamos pra sala.
Fazemos isso até hoje, só que agora com o João junto. Devo acreditar que a coisa funciona. Quando ela morreu parecia ter 40 anos, ou 35. Não se encontrava uma ruga no rosto risonho.
Da última vez que a vi, algumas horas antes de ir, num quarto de hospital, com sede e sem poder se alimentar, disse que quando sairia dali tomaria um balde de laranjada e enfiaria um sorvete na testa pra que ele escorresse até a boca. Não deu.
Entretanto, toda vez que chove granizo passamos umas pedras no rosto e ela insiste em colocar umas na boca. Digo a ela que faz mal. Dona Elza não liga, ela é teimosa, e voltamos pra sala, agora os três, rindo à toa.
2 comentários:
que texto mais liiiindo! Ai, tenho tanta inveja dessas avós... queria ter conhecido a D. Elza!
Beijos, querido!
Tocante, meu caro.
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