Dia-a-dia
O mito é nada que é tudo.
Esta é a aula de percepção com que Fernando Pessoa nos brinda em um de seus poemas de Mensagem.
O mito, aquilo que é fábula, que não tem existência, fantástico por natureza, possui o poder de esconder, sob si, uma realidade que também não existe.
De criar, a partir de si, toda uma série de acontecimentos. De gerar tudo: um mundo novo, novinho em folha.
E continua o poeta:
Este (mito), que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
O mito e aquilo o que ele faz, e isto é óbvio, na realidade não têm existência.
O mito existe apenas na crença, na nossa crença que faz com que o nada seja algo.
E uma coisa engraçada: é até bom que ele não exista, ou que tenha uma existência pequena, pois assim ele pode ser tudo aquilo que queremos que ele seja. O mito é construído à imagem de nossas vontades.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Pois bem: acreditamos naquilo que não existe.
Acreditamos nas coisas que aquilo que não existe faz.
Claro que assim uma nova realidade é criada. Uma realidade que é ilusão, que é sonho, que é alucinação.
O mito é isto: dele brota todo um mundo de nadas; todo um universo que esconde aquilo que, digamos, é real. E este real, que na maioria das vezes é aquilo que não queremos, que não aceitamos, se transforma, ao se aproximar do mito, em mentira.
Assim, com o mito, a vida fica toda invertida: a verdade é mentira, e a mentira é verdade.
E enquanto isto? Enquanto preferimos acreditar neste nada, sonhar com este nada, alucinar este nada?
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
O mito, a ideologia e senso comum às vezes são a mesma coisa. O mito, a ideologia e senso-comum nos impedem de pensar.
Pense nisso, e até semana que vem...
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