Ontem
caminhava pela praça do Centro de Convivência e pensava no quanto minha cidade
é bonita nessa época do ano. Que sua luz, as cores, o céu, são quase
incomparáveis no inverno. O gracejo se estancou por aí. O fato é que não tenho
conseguido mais andar por essas ruas. Há lembranças demais se colocando em cada
esquina, em simples atalhos, exagerando em grandes avenidas. Andar por
Campinas, hoje, me dói.
Nostalgia
é uma palavra que tanto deveria pesar? Em mim, sempre carregou algo de
melancólico demais. Busco explicações. As histéricas sofrem de reminiscências.
As pessoas de 40 anos, também? A cada passo uma nova. Um gostaria de viver
aquilo de novo, ou ter novas chances. Metade da praça, meu filho bebê,
sorrindo. Outro lado, eu sentado em quase desespero com flores entre as mãos.
Devo deixar um envelope nesse banco contando minha história daquele dia? E
nesse? Nesse agora?
Aqui
havia um bar onde sorri com quase desconhecidos numa noite quente. Não sei o
ano. Aqui havia outro, com outras tantas confusões. A cidade está repleta de
fantasmas que se perpassam, que convivem em diferentes tempos. O sorvete com
minha avó, o teatro com alguém que não me lembro o nome. Nessa casa abandonada,
certa vez, fiz um poema para uma amiga. Quase incendiamos uma padaria numa
comemoração divertida de aniversário. Bem ali. Os prédios tombam, mas não levam
tudo o que deveriam.
Pensei
em me mudar. Pela primeira vez pensei realmente em me mudar. Imagino que muitos
o façam pelo mesmo motivo. Não sei se daria certo. Aconteceria o mesmo em
qualquer lugar que fosse. Ao contrário do que dizem as agências de viagem e a
moda de estar fora, as cidades nunca são tão diferentes assim. Há aquela
esquina que sempre se parecerá com alguma esquina que já está comigo, e é
justamente por conta e através desta que aqui está que consigo ver todas as
outras. Uma rua diferente será diferente porque houve uma igual. Entre a
igualdade e a diferença, um ajustamento que é a memória. Uma adequação da
lembrança. Essa coisa de, na verdade, estar no mesmo lugar.
Não
consigo mais andar por Campinas. Meu avô me levando ao campo de futebol, eu
preso no trânsito, comendo pastel na feira depois de ter passado a noite
acordado, ouvindo Mauricio Pereira pela primeira vez. A escolha do
caminho determina o trilhamento da lembrança. Há caminhos que não quero mais
fazer porque sei em que imagens mentais vão dar. Não há viadutos ou pontes nos
percursos da memória. Não nas minhas.
Camadas
e camadas de rumores, coloridos e saudade. A cidade zoneada a pás e pás de
história. Às vezes um pouco de desatenção e estou dentro de uma geleia de
coisas que lembro. Por ali não vou; a lembrança já aponta na quina do cérebro e
não, por ali não. Há hidrantes de taquircardia. De faltas de ar. Meu outro avô
morreu ao repisar a rua de casa depois de anos de fuga. Será?
Tenho
declinado convites, caminhado dentro de tentativas de disfarce, andado quadras
e quadras ao buscar criar desvios mentais. Nada funciona. Nada. Sinaleiros do
tempo. Tem sido difícil caminhar pela minha cidade. Espíritos atravessam as
ruas comigo de mãos dadas e, como a uma criança, me entregam à dorida lembrança
seguinte. Andar por Campinas dói. Penso na realidade da luz de inverno que
admirei ontem.
Era
de ontem?
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