Texto publicado ontem na Folha. Certeiro eu diria, tanto com as coisas todas, quanto com o que vem se passando nos últimos tempos nesse blog. Uma introdução perfeita para a finalização da história.
Os psicólogos desconfiam um pouco da expressão "força de vontade", à
qual todo mundo recorre (sobretudo para denunciar as fraquezas -as
nossas e as dos outros), mas sem que a gente saiba direito o que ela
designa.
Por isso, estou lendo "Willpower, Rediscovering the Greatest Human
Strength" (a força de vontade, redescobrindo a maior força humana), de
R. Baumeister (um psicólogo que aprecio) e J. Tierney (jornalista do
"New York Times"), ed. Penguin. O livro (p. 152) me fez conhecer o site
www.stickK.com (que foi criado, aliás, para servir de amostra para
pesquisas).
No site, o usuário se engaja contratualmente a cumprir um plano que
implique um engajamento sério, se não uma reorientação de vida -desde o
trivial, como emagrecer ou parar de roer as unhas, até metas,
aspirações, desejos e ambições que justificam uma existência, passando
por aquelas experiências irrenunciáveis que alguém quer ter ao menos uma
vez, antes de morrer.
Ao escolher sua resolução, o usuário é convidado a nomear um árbitro:
alguém que lhe seja próximo, que não seja um cúmplice qualquer e que
possa, portanto, confirmar honestamente os progressos que o usuário
declarará conseguir, no diário de seus esforços, que será acessível no
site.
Além do árbitro, o usuário é também encorajado a escolher um número
indefinido de amigos, que serão informados de seu propósito inicial e de
seus avanços ou fracassos (eles terão acesso ao diário e aos
comentários do árbitro). Na hora em que ele declara seu propósito, o usuário também estabelece uma punição para si mesmo, caso ele fracasse.
Essa punição pode ser moral (um e-mail contando a história do malogro
para uma lista de amigos e conhecidos) e/ou financeira -por exemplo, uma
doação para a instituição que o usuário mais deteste (imaginemos que
você pertença a uma igreja que é ferozmente contra a ideia do casamento
gay e que você não consiga, sei lá, estudar seis horas por dia; pois
bem, você passara a contribuir ao Grupo Gay da Bahia, de acordo com suas
possibilidades financeiras).
A análise de 125.000 contratos feitos nos últimos três anos indica que
os usuários que não nomearam um árbitro ou não se impuseram punições
financeiras chegaram a um resultado positivo só em 35% dos casos. E a
porcentagem de sucessos foi de 80% quando houve árbitro, amigos e
punição financeira.
Existem experiências similares. Nas Filipinas, houve fumantes que
depositavam a cada dia um dinheiro que eles perderiam se, depois de seis
meses, houvesse rastos de nicotina em sua urina (o cigarro é poderoso:
mais da metade perdeu seu depósito -em compensação, os que conseguiram
pararam de fumar de vez). E houve a "Dieta da Humilhação Pública" de
Drew Magary, que se engajou a tuitar seu peso a cada dia e conseguiu
assim perder 30 quilos em cinco meses.
À primeira vista, em suma, não agimos segundo o que achamos certo, por
"força de vontade", mas para evitar punições e vergonhas. Ou seja, não
somos nunca verdadeira e corajosamente bons, apenas queremos fazer
bonito e não perder dinheiro (ainda menos em prol de nossos inimigos).
Haverá moralistas para dizer que a sociedade contemporânea nos
transforma nesses invertebrados morais -sem princípios, apenas
interessados na opinião dos outros e em nosso interesse imediato. Mas,
nos exemplos de Baumeister e Tierney, eu não vejo um sinal de decadência
moral -ao contrário. Claro, como muitos, eu mesmo acharia mais fácil ser dotado de um caroço
moral, do qual eu pudesse dizer: "Este sou eu, quer os outros me
reconheçam ou não, e tanto faz que eu seja recompensado ou punido por
isso".
Mas não é o caso de sermos nostálgicos: nas sociedades tradicionais
(presentes, passadas ou futuras), menos ainda do que hoje, os cidadãos
tampouco dispõem de um caroço moral. Eles agem por medo da punição
- agora ou no além. E eles agem por vergonha, diante de grupos
instituídos de anciões, padres, pastores ou notáveis.
No conjunto, quanto à punição, eu prefiro arriscar o que eu mesmo
apostei ao assinar meus contratos. E, quanto à vergonha, prefiro que
seja diante dos pares com quem eu me engajei, ou então, diante da
sociedade inteira.
Ou seja, sem ironia, como penso há tempos, nossa época é mais de progresso do que de decadência moral.
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