Há uma potência causadora de dor,
em meus sonhos.
Disso eu sabia há tempos. Reconhecia
a forma agoniante que ele tinha e tem de me dizer coisas. Algumas delas
necessárias; doídas, ricocheteantes; devidamente usurpadoras; tiradoras de
unhas; mas necessárias.
No mês passado estava à minha
frente o corpo nu de meu avô. Eu o observava através de uma porta. Em uma outra
abertura minha mãe em pé, para quem comecei a dizer: Precisamos enterrar o vô -
ele está nos pedindo pra que o enterremos. Precisamos enterrar o vô. E a figura
e meu avô ali, silenciosa, mas me gritando, me pedindo.
Era e é preciso enterrar meu avô.
O seu sofrimento final que acompanhei tão de perto. A sua figura pilar. O seu
não estar mais aqui. O sonho ainda ressoa com sua imagem que poderia ser outra,
com sua fala que poderia ser ainda mais latente. Mas os meus sonhos não são assim:
têm uma sádica vida que parece ser própria. Acordo e os sinto reverberar por
dias, meses. E eles às vezes parecem tentar acabar mesmo comigo. Nesse caso narrado só
um pouco: a dureza excessiva me avisava de uma necessidade. Preciso enterrar
meu avô. Sequer posso guardar seus óculos e relógio em minha gaveta de
camisetas como ainda faço. Não. Ele precisar ir. Preciso deixar que isso
aconteça.
Mas e quando o sonho só revive
passados e diz:
- Você gostava disso, meu amigo?
Gostava, não gostava? Então você vai ter isso aqui; só aqui, tá! E quando
acordar vai querer voltar. Vai querer ficar por esse lugar. Vai querer dormir e
dormir e dormir e dormir... Mas não garanto que essa situação retorne. Que esse
momento específico com todos seus volteios confortáveis e reconfortantes
ressurja. Quer arriscar?
E então não vejo sentido. Só
angústia. Angústia. Angústia. E um pouco mais de angústia. E muito mais, na
verdade. E coisas que estavam fechadas de uma forma tão bonitinha por fora se
mostram e não as quero de novo; também coisas das quais eu jurava ter me
desvencilhado há tempos. Como isso? Por que isso, e aqui? Uma piscina com uma queda d’água enorme, eu
lá em cima, água morna, ladrilhos brancos com riscos vermelhos, música vindo de
algum lugar, eu olhando pra baixo. Sonho uterino que logo me jogará no
desamparo da nostalgia, na agonia do retorno do impossível, ou do impossível
retorno. E para quê? Como dar pontos nessas aberturas? Como colar isso? Realização
de desejo só dentro do sonho não é realização de desejo: muitas das vezes é
liquidificador de gente.
Teria Fabiano passado a mancheias
pela fila da pulsão de morte?
Meus sonhos são na sua maioria
pesadelos preconizados. Capricham na construção do que projetam para depois.
Tornam a minha vigília larga e dorida. Preferiria ter maus sonhos na hora
certa.
A música do sonho