De um jornalista que até chegou a escrever bastante aqui em Campinas:
Eu estava no Rio, no meio de uma multidão na festa do Círio de Nazaré, lá na minha querida Tijuca. A igreja lotada, as pessoas nas barraquinhas na rua, todos festejando. Em um dado momento dois helicopteros da polícia passaram bem baixo, os policiais com seus fuzis pra fora. Ninguém ligou! Então pensei: se fosse em São Paulo todo mundo já tinha saído correndo e a festa tinha acabado. São Paulo é tão Regina Duarte!!!
Entenderam?
Até agora duas pessoas já haviam "curtido isso", e há um comentário aprovando (é claro).
P.S: outra pérola - Por mim eu jogava a igreja no lixo, não serve para nada!
É de uma sensatez e de uma sensibilidade histórico-sociológica de dar medo. Além de: não serve pra nada, mas freqüenta?
17.10.10
16.10.10
Sutilezas calligarianas
No que prometia ser um belo dia de primavera de meados dos anos 1970 em Paris, um jovem psicanalista trabalhava no plantão de uma enfermaria psiquiátrica.
Considerando a exiguidade do salário que ele recebia, seria mais correto dizer que ele estagiava. De qualquer forma, ele não estava ali pelo dinheiro, mas para enriquecer sua experiência dos caminhos pelos quais a gente enlouquece e sofre.
O jovem psicanalista estava sempre disposto a topar uma parada que pudesse lhe ensinar algo novo. Naquele dia, embora esta não fosse sua atribuição, ele, com um psiquiatra e dois enfermeiros, embarcou na ambulância que respondia a um chamado da polícia do bairro 13. O comissariado recebera o telefonema angustiadíssimo de um homem que acabava de encontrar sua mulher e sua filha de um jeito que não conseguia descrever, mas que, ele gritava, não era normal.
A ambulância chegou antes dos policiais. O marido, desculpando-se por não ter a coragem de voltar lá dentro, apontou na direção da porta do banheiro do apartamento.
O jovem psicanalista foi o primeiro a entrar e descobriu uma jovem mulher, deitada nua na banheira, cantando feliz enquanto brincava com seu bebê na água. A jovem mulher não pareceu perceber a chegada do estranho e o jovem psicanalista se deu conta de que o bebê era curiosamente inerte, rígido e branco: ele estava morto há tempo.
O jovem psicanalista nunca esqueceria o corpinho que ele apertou contra si, como se houvesse uma chance de esquentá-lo de volta para a vida.
Engravidar e dar à luz (apesar de ser o cotidiano da espécie) são experiências tão extremas que elas podem enlouquecer algumas mulheres, em geral temporariamente, logo após o parto.
A internação da mulher de nossa história durou pouco: ela foi declarada não imputável por razão de insanidade e recuperou a dita sanidade rapidamente.
Durante sua internação, soube-se que, dois anos antes, um irmão do bebê morto na banheira também tinha falecido, aos três meses, de morte súbita e inexplicada. A equipe do hospital se perguntou: não seria legítimo esterilizar compulsoriamente as mulheres que matassem seus bebês numa psicose desencadeada pelo parto? De fato, existe um risco estatístico de recidiva caso elas deem à luz outra vez.
A discussão não chegou a conclusão alguma; ficou suspensa entre o respeito pela esperança de uma mãe que quer tentar uma nova gravidez, a dificuldade de garantir o direito à vida dos nascituros e nossa incapacidade de prever, prevenir e intervir a tempo. Pouco importa, pois nisto eu acredito mesmo: todas as discussões que valem a pena são inconclusas.
Bastante tempo depois, o jovem psicanalista, que não trabalhava mais naquele hospital, recebeu um telefonema do psiquiatra que estivera com ele na ambulância. A jovem mulher da banheira pedira uma consulta na mesma enfermaria onde ela fora internada dois anos antes: ela estava grávida e queria saber se corria o risco de enlouquecer de novo e assassinar seu bebê no berço. Que ela perguntasse era um bom sinal, mas insuficiente para responder com segurança. O que fazer? Encorajá-la a abortar ou a apostar que nada aconteceria? Quem sabe sugerir que levasse a gravidez a termo e se engajasse a entregar o bebê, na hora do parto, para a assistência pública?
Não sei a resposta certa e é por isso que me lembrei dessa história.
Uma eleição é o pior momento para debater qualquer questão que seja. Numa eleição, as pessoas precisam ser a favor ou contra.
Ora, as pretensas discussões entre "a favor" e "contra" me inspiram o mesmo mal-estar que sinto quando assisto a uma cena de violência. Faz sentido porque, nessas discussões, ninguém argumenta, cada um apenas reafirma abstratamente sua identificação: em "eu sou a favor" e "eu sou contra", o que mais importa é reforçar o "eu". Com isso, inevitavelmente essas discussões menosprezam, atropelam e violentam a vida concreta de todos.
Depois desse preâmbulo, talvez eu consiga, numa coluna futura, escrever sobre a questão do aborto. Enquanto isso, eis uma leitura que recomendo a todos os que preferem pensar a gritar: "O Drama do Aborto: Em Busca de um Consenso", de dois médicos, A. Faúndes e J. Barzelatto (Komedi). Sobre o tema, talvez esse seja o escrito mais honesto, menos tendencioso e mais generoso que já li.
Considerando a exiguidade do salário que ele recebia, seria mais correto dizer que ele estagiava. De qualquer forma, ele não estava ali pelo dinheiro, mas para enriquecer sua experiência dos caminhos pelos quais a gente enlouquece e sofre.
O jovem psicanalista estava sempre disposto a topar uma parada que pudesse lhe ensinar algo novo. Naquele dia, embora esta não fosse sua atribuição, ele, com um psiquiatra e dois enfermeiros, embarcou na ambulância que respondia a um chamado da polícia do bairro 13. O comissariado recebera o telefonema angustiadíssimo de um homem que acabava de encontrar sua mulher e sua filha de um jeito que não conseguia descrever, mas que, ele gritava, não era normal.
A ambulância chegou antes dos policiais. O marido, desculpando-se por não ter a coragem de voltar lá dentro, apontou na direção da porta do banheiro do apartamento.
O jovem psicanalista foi o primeiro a entrar e descobriu uma jovem mulher, deitada nua na banheira, cantando feliz enquanto brincava com seu bebê na água. A jovem mulher não pareceu perceber a chegada do estranho e o jovem psicanalista se deu conta de que o bebê era curiosamente inerte, rígido e branco: ele estava morto há tempo.
O jovem psicanalista nunca esqueceria o corpinho que ele apertou contra si, como se houvesse uma chance de esquentá-lo de volta para a vida.
Engravidar e dar à luz (apesar de ser o cotidiano da espécie) são experiências tão extremas que elas podem enlouquecer algumas mulheres, em geral temporariamente, logo após o parto.
A internação da mulher de nossa história durou pouco: ela foi declarada não imputável por razão de insanidade e recuperou a dita sanidade rapidamente.
Durante sua internação, soube-se que, dois anos antes, um irmão do bebê morto na banheira também tinha falecido, aos três meses, de morte súbita e inexplicada. A equipe do hospital se perguntou: não seria legítimo esterilizar compulsoriamente as mulheres que matassem seus bebês numa psicose desencadeada pelo parto? De fato, existe um risco estatístico de recidiva caso elas deem à luz outra vez.
A discussão não chegou a conclusão alguma; ficou suspensa entre o respeito pela esperança de uma mãe que quer tentar uma nova gravidez, a dificuldade de garantir o direito à vida dos nascituros e nossa incapacidade de prever, prevenir e intervir a tempo. Pouco importa, pois nisto eu acredito mesmo: todas as discussões que valem a pena são inconclusas.
Bastante tempo depois, o jovem psicanalista, que não trabalhava mais naquele hospital, recebeu um telefonema do psiquiatra que estivera com ele na ambulância. A jovem mulher da banheira pedira uma consulta na mesma enfermaria onde ela fora internada dois anos antes: ela estava grávida e queria saber se corria o risco de enlouquecer de novo e assassinar seu bebê no berço. Que ela perguntasse era um bom sinal, mas insuficiente para responder com segurança. O que fazer? Encorajá-la a abortar ou a apostar que nada aconteceria? Quem sabe sugerir que levasse a gravidez a termo e se engajasse a entregar o bebê, na hora do parto, para a assistência pública?
Não sei a resposta certa e é por isso que me lembrei dessa história.
Uma eleição é o pior momento para debater qualquer questão que seja. Numa eleição, as pessoas precisam ser a favor ou contra.
Ora, as pretensas discussões entre "a favor" e "contra" me inspiram o mesmo mal-estar que sinto quando assisto a uma cena de violência. Faz sentido porque, nessas discussões, ninguém argumenta, cada um apenas reafirma abstratamente sua identificação: em "eu sou a favor" e "eu sou contra", o que mais importa é reforçar o "eu". Com isso, inevitavelmente essas discussões menosprezam, atropelam e violentam a vida concreta de todos.
Depois desse preâmbulo, talvez eu consiga, numa coluna futura, escrever sobre a questão do aborto. Enquanto isso, eis uma leitura que recomendo a todos os que preferem pensar a gritar: "O Drama do Aborto: Em Busca de um Consenso", de dois médicos, A. Faúndes e J. Barzelatto (Komedi). Sobre o tema, talvez esse seja o escrito mais honesto, menos tendencioso e mais generoso que já li.
12.10.10
Agressividade em épocas de eleição
Começarei a postar uns textos curtos sobre a eleição. Já que todo mundo se acha no direito de ficar fazendo campanha no Facebook, por que é que eu não posso usar um espaço onde os que eu conheço visitam por escolha para tecer algumas considerações, não é mesmo?
Mas a primeira coisa sobre a qual gostaria de comentar, e rapidamente, é a agressividade que se encontra na Internet em época de eleição. Que o fanatismo produz estúpidos em série, e que nos surpreendemos com o que ele faz com certos indivíduos que consideramos ter uma boa capacidade intelectual, isso já sabíamos. Mas a virtualidade tem adicionado um outro elemento aí: a boçalidade apedrejante. Qualquer comentário simples, mas que possa demonstrar uma discordância de opinião, é recebido a pedradas, tapas e pontapés. Só se aceita a afirmação: "- Eu a apóio; - Ah, eu também a apóio: nós somos demais!; - Eu também a apóio, sou demais como vocês! Posso republicar isso?". Ai se alguma pergunta tola qualquer, do tipo: "mas por que apóia?" é feita... Porrada!
Tive um papo ótimo via e-mail com um amigo, e a conversa democrática na Internet nessas eleições parou por aí. Nem um mais argumento sequer. Só falta de educação. Aliás: quando algum tipo de argumento aparece, e não é para responder perguntas, a coisa é de uma tristeza sem fim. Vi alguns doutores em filosofia se valendo de deduções que os fariam reprovar no pré-primário. Com foi acima, já sabemos o motivo.
Um dia desses eu volto. Espero que seja amanhã.
Mas a primeira coisa sobre a qual gostaria de comentar, e rapidamente, é a agressividade que se encontra na Internet em época de eleição. Que o fanatismo produz estúpidos em série, e que nos surpreendemos com o que ele faz com certos indivíduos que consideramos ter uma boa capacidade intelectual, isso já sabíamos. Mas a virtualidade tem adicionado um outro elemento aí: a boçalidade apedrejante. Qualquer comentário simples, mas que possa demonstrar uma discordância de opinião, é recebido a pedradas, tapas e pontapés. Só se aceita a afirmação: "- Eu a apóio; - Ah, eu também a apóio: nós somos demais!; - Eu também a apóio, sou demais como vocês! Posso republicar isso?". Ai se alguma pergunta tola qualquer, do tipo: "mas por que apóia?" é feita... Porrada!
Tive um papo ótimo via e-mail com um amigo, e a conversa democrática na Internet nessas eleições parou por aí. Nem um mais argumento sequer. Só falta de educação. Aliás: quando algum tipo de argumento aparece, e não é para responder perguntas, a coisa é de uma tristeza sem fim. Vi alguns doutores em filosofia se valendo de deduções que os fariam reprovar no pré-primário. Com foi acima, já sabemos o motivo.
Um dia desses eu volto. Espero que seja amanhã.
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