4.9.10
A mentira, com um tanto de Dienpax
Até que ponto a mentira é sábia e necessária? Ao percorrer ensaios sobre ética que versem sobre esta forma de lidar com os conteúdos de nossa existência, é certo que um dos modos mais interessantes de colocar a questão, e respondê-la, é aquele que brota de uma posição mais lógica do que propriamente moral. A coisa toda pode ser expressa de uma maneira bem simples, que é mais ou menos assim: se todos decidirmos um belo dia começar a mentir ininterruptamente, uma espécie de caos se estabelecerá. Isso porque não haverá discurso que se que se religue a outros discursos ou ao que for, o que por si só descaracterizará a sua função. A linguagem entrará então no campo do desnecessário, e a convivência entre os homens irá se tornar algo relutante e puramente disforme. Nesse sentido, não há possível campo positivo para a resposta das questões que abrem o texto.
Um contraponto, porém, rapidamente nos aparece. - Mas essa é uma situação limite e generalizada - pode-se e deve-se argumentar -; isso não significa que a mentira não possa existir pontualmente, e por ser muitas das vezes mais encobridora do que propriamente uma inversora de discurso, tornar-se benéfica em dados momentos?
Hum: difícil a resposta. Pode ser que sim, claro. Mas até quando? E aqui a coisa se complica pois o discurso não provém de entidades metafísicas ou lingüísticas, mas é gerado por um sujeito que deve fazer com que todas as suas falas sejam plausíveis e sustentáveis. É muito fácil encontramos pessoas que digam: menti para preservar. Ou menti para evitar o sofrimento. Enfim, menti para fazer o bem. Mas e o que foi enganado, trapaceado pela mentira, irá se sentir de qual maneira ao saber o que a mentira acobertou, ainda que por um considerado bom motivo?
Duplamente traído. Sim. Claro. Óbvio. Traído pela mentira, a entidade moral-discursiva e, sabemos, psicológica, mas pior do que isso: traído por um agora mentiroso. Um ser de carne e osso, sendo que aquele que produziu o discurso já se encontra, ao aparecimento do novo enunciado, de figura alterada. Algo se interpôs entre ele e o restante de toda a sua história e de todas as suas relações: foi capaz de mentir por bem. Mas qual bem? Bem de quem? O que é um bem ante a uma descaracterização da realidade? Será esse um sujeito capaz de mentir por um mal? Mal de quem, e pra quem?
Um dos problemas da mentira é – boba e obviamente, como toda criança sabe - que um dia a verdade pode vir à tona. Mas o que a criança em nós também sabe mas não projeta a extensão é que o fato em seu aspecto bruto passa de moral também à pessoal. Tudo entra no redemoinho de desacertos que acaba, estranha e até risivelmente, parando no universo lógico dos parágrafos acima, criando uma versão humanamente maquinária do instituidor do problema: viramos robôs que podem ou não responder corretamente a questões, dúvidas e falar de nós mesmos. Mas quando será que falamos e respondemos corretamente? Ou será que de novo preservamos? Preservamos a quem, mesmo?
A mentira pode ser sábia e necessária tão somente quando ela se transforma enfim em verdade, e sabemos que isso é bem possível. Vivemos fazendo isso com nós mesmos, com nossa história reconstruída e encoberta por nossos desejos. Se assim não o for, se a passagem não for completa, a mentira criará no mínimo um possível... não confiável: aquele que atravessa seu desejo no do outro, às vezes no de si mesmo, desconfigurando o que está pela frente, seja por qual motivo ou intenção for.
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