O Carnaval de Bandeira é quase um anti-carnaval. É um carnaval das formas internas, do extasiamento consigo, da deflexão da turba. É o carnaval de quem (já) não (mais) precisa de carnaval, ou de quem não o reconhece ou jamais o reconheceu. É um menos carnaval no carnaval; um carnaval que deveria ser; um carnaval necessariamente de poucos.
Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros, e negras eram as nossas máscaras.
Íamos, por entre a turba, com solenidade,
Bem conscientes do nosso ar lúgubre
Tão constratado pelo sentimento de felicidade
Que nos penetrava. Um lento, suave júbilo
Que nos penetrava... Que nos penetrava como uma espada de fogo...
Como a espada de fogo que apunhalava as santas extáticas.
E a impressão em meu sonho era que estávamos
Assim de negro, assim por fora inteiramente negro,
— Dentro de nós, ao contrário, era tudo claro e luminoso!
Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava. Entre clangores de fanfarra
Passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingênuas, ao gosto popular, em cores cruas.
Iam em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
De peitos enormes — Vênus para caixeiros.
Figuravam deusas — deusa disto, deusa daquilo, já tontas e seminuas.
A turba, ávida de promiscuidade,
Acotevelava-se com algazarra,
Aclamava-as com alarido.
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.
Nós caminhávamos de mãos dadas, com solenidade,
O ar lúgubre, negro, negros...
mas dentro em nós era tudo claro e luminoso!
Nem a alegria estava ali, fora de nós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
— A profunda, a silenciosa alegria...
21.2.09
14.2.09
Nina Simone - Cherish
É assim... impressionante demais.
Se não funcionar. o link é este: http://www.youtube.com/watch?v=6Ha4iFG4nVU.
Merece a letra:
Cherish is the word I use to describe
All the feeling that I have hiding here for you inside
You don't know how many times I've wished that I had told you
You don't know how many times I've wished that I could hold you
You don't know how many times I've wished that I could
Mold you into someone who could
Cherish me as much as I cherish you
Perish is the word that more than applies
To the hope in my heart each time I realize
That I am not gonna be the one to share your dreams
That I am not gonna be the one to share your schemes
That I am not gonna be the one to share what
Seems to be the life that you could
Cherish as much as I do yours
Oh I'm beginning to think that man has never found
The words that could make you want me
That have the right amount of letters, just the right sound
That could make you hear, make you see
That you are drivin' me out of my mind
Oh I could say I need you but then you'd realize
That I want you just like a thousand other girls
Who'd say they loved you With all the rest of their lies
When all they wanted was to touch your face, your hands
And gaze into your eyes
Cherish is the word I use to describe
All the feeling that I have hiding here for you inside
You don't know how many times I've wished that I had told you
You don't know how many times I've wished that I could hold you
You don't know how many times I've wished that I could
Mold you into someone who could
Cherish me as much as I cherish you
And I do cherish you
And I do cherish you
Cherish is the word
13.2.09
Imanência e transcendência
Há um ano meio mais ou menos, em um dia no qual fui buscar o João no futsal, um menino com pouco mais de dez anos me abordou na porta do colégio:
- Hei, é você o pai do João não é?
- Sou sim, por quê?
- Ah, ele já vem vindo. É que eu vi o caminho que vocês fazem pra voltar e vocês passam em frente à minha casa.
- Hã.
- Eu vou com vocês tá? Assim a gente vai conversando.
E como ele conversava. E como ele falava. E como era engraçado o Jonatan. Perspicaz até o fim, já foi logo no primeiro dia tratando de coisas esdrúxulas para um menino de dez anos:
- Por que é que só você vem buscar o João no futebol?
- Como assim?
- Cadê a mãe dele? Vocês são separados?
- É isso, somos.
- Ah, e você tem a guarda dele?
- Não. Ele ficou comigo depois da separação, e só.
- Ah, porque esse negócio de guarda é muito complicado. Meus pais são separados também e eles estão quebrando o maior pau por causa da minha guarda.
- Você mora com quem?
- Moro com a minha mãe.
- Tá.
- Mas meu pai quer que eu more com ele. Semana que vem tem audiência e eu vou poder falar. Acho que vou dizer que quero ficar um pouco com meu pai. Vou dizer isso pro juiz.
Naquele semestre o Jonatan voltou com a gente quase todas as quartas e sextas, dias do futsal. Sempre mantinha a média: quanta abobrinha, quanta piada feita sem querer falava o Jonatan. No outro ano, o ano passado, ele sumiu. Mudou o horário do futsal porque seu pai havia conseguido a guarda. Foi morar com o pai, como queria. Como se manteve na escola, entretanto, encontrava com ele sempre. Falava oi, e ele vinha com aqueles cumprimentos doidos feitos com as mãos, comuns às crianças.
Na terça-feira cheguei do trabalho e o João estava meio estranho.
- Você ficou sabendo pai?
- Do quê?
- Do Jonatan. Lembra do Jonatan?
- Claro que eu lembro. O do futsal, né?
- Ele morreu.
- Hã?
- Ele tava com o pai dele, de moto, e eles foram ultrapassar um caminhão. Alguma coisa deu errado e eles foram parar embaixo do caminhão. O caminhão passou em cima deles. Hoje a sala dele nem teve aula. Foram pro enterro.
E então eu sentei; fiz cara de quem está pensando em algo mas não consegue articular nada. Olhei pro teto e soltei o clássico "que merda". Há coisas difíceis de se acreditar, e quando elas acontecem não adianta uma tentativa de racionalização: tudo, mas tudo mesmo, perde o sentido. O mundo passa a uma atonia sem fim. E esperamos o tempo passar, com aquela sensação esquisita, ruim demais, e só - só isso é possível. Que merda...
____________________________________________________________________________
Tenho três manias, apenas três. Uma delas, que carrego desde pequeno, é a de ficar lendo dicionário. Leio dicionários como se fossem bons romances. A segunda é a de saber quanto medem as pessoas. Nem quero entender o motivo disso, mas me pego às vezes procurando saber quanto media, sei lá, o Ricardo Montalbán. A terceira é a de ler o obituário do jornal. Não só o leio. Faço sempre uma redistribuição de vida. Não acho justo que alguns morram com 95 e outros com 33. Então repasso os anos. Em Campinas as pessoas morrem, normalmente - segundo o que vejo - bem velhas. Mas há sempre alguém que se vai com trinta e poucos e deixa filhos. Então passo cinco anos desse aqui pra cá. Tiro dois desse aqui e passo pra lá também, e tento pensar que assim poderia resolver o problema. No dia 10/02 daria pra conseguir, fácil, mais sessenta anos pro Jonatan, e todo mundo daquela data morreria certo, em uma época na qual se pode morrer. É difícil conseguir admitir que crianças morram. Eu não consigo, mas as coisas assim acontecem. Que merda...
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Sou ateu, mas se acreditasse em algo, iria com Veríssimo: Existe um ser superior que dirije os nossos destinos, só não se sabe como ele conseguiu passar no teste psicotécnico.
- Hei, é você o pai do João não é?
- Sou sim, por quê?
- Ah, ele já vem vindo. É que eu vi o caminho que vocês fazem pra voltar e vocês passam em frente à minha casa.
- Hã.
- Eu vou com vocês tá? Assim a gente vai conversando.
E como ele conversava. E como ele falava. E como era engraçado o Jonatan. Perspicaz até o fim, já foi logo no primeiro dia tratando de coisas esdrúxulas para um menino de dez anos:
- Por que é que só você vem buscar o João no futebol?
- Como assim?
- Cadê a mãe dele? Vocês são separados?
- É isso, somos.
- Ah, e você tem a guarda dele?
- Não. Ele ficou comigo depois da separação, e só.
- Ah, porque esse negócio de guarda é muito complicado. Meus pais são separados também e eles estão quebrando o maior pau por causa da minha guarda.
- Você mora com quem?
- Moro com a minha mãe.
- Tá.
- Mas meu pai quer que eu more com ele. Semana que vem tem audiência e eu vou poder falar. Acho que vou dizer que quero ficar um pouco com meu pai. Vou dizer isso pro juiz.
Naquele semestre o Jonatan voltou com a gente quase todas as quartas e sextas, dias do futsal. Sempre mantinha a média: quanta abobrinha, quanta piada feita sem querer falava o Jonatan. No outro ano, o ano passado, ele sumiu. Mudou o horário do futsal porque seu pai havia conseguido a guarda. Foi morar com o pai, como queria. Como se manteve na escola, entretanto, encontrava com ele sempre. Falava oi, e ele vinha com aqueles cumprimentos doidos feitos com as mãos, comuns às crianças.
Na terça-feira cheguei do trabalho e o João estava meio estranho.
- Você ficou sabendo pai?
- Do quê?
- Do Jonatan. Lembra do Jonatan?
- Claro que eu lembro. O do futsal, né?
- Ele morreu.
- Hã?
- Ele tava com o pai dele, de moto, e eles foram ultrapassar um caminhão. Alguma coisa deu errado e eles foram parar embaixo do caminhão. O caminhão passou em cima deles. Hoje a sala dele nem teve aula. Foram pro enterro.
E então eu sentei; fiz cara de quem está pensando em algo mas não consegue articular nada. Olhei pro teto e soltei o clássico "que merda". Há coisas difíceis de se acreditar, e quando elas acontecem não adianta uma tentativa de racionalização: tudo, mas tudo mesmo, perde o sentido. O mundo passa a uma atonia sem fim. E esperamos o tempo passar, com aquela sensação esquisita, ruim demais, e só - só isso é possível. Que merda...
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Tenho três manias, apenas três. Uma delas, que carrego desde pequeno, é a de ficar lendo dicionário. Leio dicionários como se fossem bons romances. A segunda é a de saber quanto medem as pessoas. Nem quero entender o motivo disso, mas me pego às vezes procurando saber quanto media, sei lá, o Ricardo Montalbán. A terceira é a de ler o obituário do jornal. Não só o leio. Faço sempre uma redistribuição de vida. Não acho justo que alguns morram com 95 e outros com 33. Então repasso os anos. Em Campinas as pessoas morrem, normalmente - segundo o que vejo - bem velhas. Mas há sempre alguém que se vai com trinta e poucos e deixa filhos. Então passo cinco anos desse aqui pra cá. Tiro dois desse aqui e passo pra lá também, e tento pensar que assim poderia resolver o problema. No dia 10/02 daria pra conseguir, fácil, mais sessenta anos pro Jonatan, e todo mundo daquela data morreria certo, em uma época na qual se pode morrer. É difícil conseguir admitir que crianças morram. Eu não consigo, mas as coisas assim acontecem. Que merda...
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Sou ateu, mas se acreditasse em algo, iria com Veríssimo: Existe um ser superior que dirije os nossos destinos, só não se sabe como ele conseguiu passar no teste psicotécnico.
12.2.09
La gaya scienza
Vivo em minha própria casa
Jamais imitei algo de alguém
E sempre ri de todo mestre
Que nunca riu de si também.
.
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Jamais imitei algo de alguém
E sempre ri de todo mestre
Que nunca riu de si também.
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11.2.09
7.2.09
A moralidade adversativa
Tese sobre o desenvolvimento da moralidade é coisa que não falta no mercado. Todas com suas belas divisões etárias, suas interpretações sobre a anomia e a autonomia, suas digressões canhestras - na maioria das vezes - a respeito da internalização da lei moral e da própria lei moral. Observações, fichas técnicas e estatísticas: veja só, este menino é ainda um heterônomo, pobre coitado.
Modos de compreender à parte, o Centro Fabianesco de Estudos sobre o Homem tem chegado a ótimas conclusões fazendo uso de uma técnica menos constrangedora: a leitura gramatical. Como o único pesquisador do centro soy yo, passo rapidamente às percepções e conclusões. E a coisa é a seguinte: enquanto o sujeito continuar usando conjunções adversativas em frases iniciadas com pronomes pessoais na primeira pessoa, a coisa ainda não anda bem. Aliás, a coisa está longe de andar bem.
O verdadeiro ser moral é capaz de frases curtas e diretas das do tipo Eu fiz, e ponto, ou seja, sem trelelés. O verdadeiro ser moral não recorre a conjunções coordenativas que o salvem depois da coisa feita, que o justifiquem fazendo da linguagem, da oração sendo mais específico, uma balança que tenta se equilibrar, pois é nisso que ela se transforma quando a conjunção é colocada. Vejamos os exemplos:
Eu quebrei o braço do Zequinha, mas ele tinha passado a mão nos meus fundilhos.
Peguei o dinheiro sim, contudo eu não sabia de quem era.
Eu fui canalha até o fim, mas ela fez por merecer porque deu mole prum sujeito naquela festa.
Eu sequer olhei na cara dele, porém ele foi injusto comigo.
Pois então: ficou clara a questão da balança?
Em um primeiro momento, o pré conjunção, você joga o motivo pelo qual você poderia ser culpado; a balança então pende para o seu lado e apita: errado é você. Eis então que surge a bela e límpida conjunção coordenativa adversativa para salvar a sua pele, seja da ira dos outros, seja da sua mesmo. Mas, porém, todavia, contudo, entretanto há algo a ser dito e que pode aliviar a coisa. E aí surge o momento pós conjunção, que é aquele no qual você revela o podre dos outros ou no qual inventa um fato em um delírio desesperado, fazendo entender que aquele erro justifica o seu, isto é: fornece razão a sua ação, equilibrando a contenda e horizontalizando a balança.
Essa forma de expressão moral, a que eu nomeio de moralidade adversativa, é comumente usada por adultos não tão adultos assim, e isto dependendo da sua expectativa a respeito da chamada autonomia moral. É só prestar um pouco de atenção que vocês perceberão exemplos a todo momento, o que lhes permitirá um certo cuidado no trato destes seres com M.A, evitando transtornos futuros.
No mais, se vocês acharem tudo isso balela e pensarem que eu esteja falando besteira, OK, eu posso até estar errado sobre estas questões de desenvolvimento da moralidade, mas Piaget também estava.
Modos de compreender à parte, o Centro Fabianesco de Estudos sobre o Homem tem chegado a ótimas conclusões fazendo uso de uma técnica menos constrangedora: a leitura gramatical. Como o único pesquisador do centro soy yo, passo rapidamente às percepções e conclusões. E a coisa é a seguinte: enquanto o sujeito continuar usando conjunções adversativas em frases iniciadas com pronomes pessoais na primeira pessoa, a coisa ainda não anda bem. Aliás, a coisa está longe de andar bem.
O verdadeiro ser moral é capaz de frases curtas e diretas das do tipo Eu fiz, e ponto, ou seja, sem trelelés. O verdadeiro ser moral não recorre a conjunções coordenativas que o salvem depois da coisa feita, que o justifiquem fazendo da linguagem, da oração sendo mais específico, uma balança que tenta se equilibrar, pois é nisso que ela se transforma quando a conjunção é colocada. Vejamos os exemplos:
Eu quebrei o braço do Zequinha, mas ele tinha passado a mão nos meus fundilhos.
Peguei o dinheiro sim, contudo eu não sabia de quem era.
Eu fui canalha até o fim, mas ela fez por merecer porque deu mole prum sujeito naquela festa.
Eu sequer olhei na cara dele, porém ele foi injusto comigo.
Pois então: ficou clara a questão da balança?
Em um primeiro momento, o pré conjunção, você joga o motivo pelo qual você poderia ser culpado; a balança então pende para o seu lado e apita: errado é você. Eis então que surge a bela e límpida conjunção coordenativa adversativa para salvar a sua pele, seja da ira dos outros, seja da sua mesmo. Mas, porém, todavia, contudo, entretanto há algo a ser dito e que pode aliviar a coisa. E aí surge o momento pós conjunção, que é aquele no qual você revela o podre dos outros ou no qual inventa um fato em um delírio desesperado, fazendo entender que aquele erro justifica o seu, isto é: fornece razão a sua ação, equilibrando a contenda e horizontalizando a balança.
Essa forma de expressão moral, a que eu nomeio de moralidade adversativa, é comumente usada por adultos não tão adultos assim, e isto dependendo da sua expectativa a respeito da chamada autonomia moral. É só prestar um pouco de atenção que vocês perceberão exemplos a todo momento, o que lhes permitirá um certo cuidado no trato destes seres com M.A, evitando transtornos futuros.
No mais, se vocês acharem tudo isso balela e pensarem que eu esteja falando besteira, OK, eu posso até estar errado sobre estas questões de desenvolvimento da moralidade, mas Piaget também estava.
5.2.09
4.2.09
Candy
É o seguinte: essa banda aqui é muito, mas muito legal mesmo. Vocês têm que vê-la ao vivo. E essa moça aí, essa moça que canta pra cacete, ela é muito especial sabe. Ela mora no meu coração, e eu nem ligo de parecer jacu ao dizer isto.
O site da banda é http://www.bandabluegas.com.br/. A moça faz participações especiais, bem especiais. Mas ela é especial mesmo quando canta Baby I love you, da Aretha Franklin, sozinha, com seu violão.
3.2.09
2.2.09
1.2.09
Rua Neto de Araújo Silva, 107
Eu fui.
E ao ir, fiquei horas a pensar em coisas que poderia dizer e que me fizessem parecer uma figura interessante. Nas falas que me tornariam um ser afável e desejável. Nas tiradas, nas ironias, nas metáforas esdrúxulas que causariam bons risos juntos.
Eu voltei.
Não lhe disse mais do que uma dezena de palavras.
Sequer tchau eu disse.
______________________________________________________________________________
Conheci pessoas ótimas. Trocamos e-mails. Relações de amizade que podem frutificar.
Quem eu fui conhecer, desconheci.
E ao ir, fiquei horas a pensar em coisas que poderia dizer e que me fizessem parecer uma figura interessante. Nas falas que me tornariam um ser afável e desejável. Nas tiradas, nas ironias, nas metáforas esdrúxulas que causariam bons risos juntos.
Eu voltei.
Não lhe disse mais do que uma dezena de palavras.
Sequer tchau eu disse.
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Conheci pessoas ótimas. Trocamos e-mails. Relações de amizade que podem frutificar.
Quem eu fui conhecer, desconheci.
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