Decidi mudar. Não serei mais aquela pessoa que acha que as pessoas não
mudam e que não há história, mas sim um eterno retorno do mesmo.
Nietzsche nunca mais, só Rousseau e seu estado de natureza angelical.
Acredito agora nas primaveras que cortam o mundo. Fui à livraria mais
próxima, ou melhor, ao iPad mais próximo, e comprei um livro que me
indicaram: "Dez passos para ser um novo Pondé", autoria de um certo
sábio chinês que talvez seja um neto de coreano nascido na Califórnia de
pais porto-riquenhos.
O primeiro passo é aprender a respirar. Sou dono da minha respiração
agora. Em seguida, alimentação. Nunca mais carne vermelha. De início,
ainda frango e peixe, mas em breve pretendo me tornar um amante das
rúculas e alfaces, mas sempre pedindo perdão por precisar tirá-las de
sua vida doce e promissora fazendo fotossíntese. Coca-Cola, nem pensar.
Além do mais, é americana! Vinho, só natural.
Um segredo: continuarei a ir aos EUA porque um tênis lá custa cinco
dólares! Irei escondido e voltarei com dez malas. Mas, temos ou não
direito a ter tênis baratos? Acho uma falta de respeito proibir as
pessoas de comprar tênis e jogos eletrônicos baratos em Miami.
Amarei a África. Abraçarei todas as ONGs do mundo. Direi às pessoas que elas são lindas e que o mundo faz parte de uma confederação cósmica. Os maias foram o povo mais avançado da
história e decidi frequentar escolas aborígenes para aprender seu
complexo modo de criar sociedades mais justas.
Religião: nunca mais essa coisa pesada de judaísmo e cristianismo,
religiões que nos estragam com sua moral "imposta". Candomblé também
não. Claro, como é religião africana, seria aprovada pelo meu novo eu,
mas em alguns terreiros baixam pombagiras, e elas foram prostitutas e
adúlteras, e não quero nem chegar perto disso! Aliás, decidi que essas
coisas não existem.
Minha nova religião será uma forma de budismo light, aquele tipo que
cultua a energia do universo. Sei que existem outros tipos, mas aqueles
são autoritários. Toco as plantas com mais cuidado e percebi que elas
são mais sábias do que Freud. Claro, comprei uma estatueta de um
golfinho e joguei fora aquela esfinge do Édipo horrorosa que minha irmã
me deu em Londres.
Nunca mais tragédia grega, agora só revistas que nos ensinam como o
mundo pode ser melhor se arrumarmos nossos sofás de forma mais harmônica
com as estrelas. Contratei uma mestra em decoração oriental. Ela é uma
mulher supermagra e equilibrada. Imagine que curou um câncer em seu gato
com reiki.
Direi para todo mundo que não gosto de dinheiro e que gosto das pessoas
pelo que elas são e não pelo que elas têm. Perguntarei aos artistas com
consciência social o que posso dizer e fazer.
Vendi meu horroroso carro inglês. Estou aprendendo a andar de bike (já
sabia andar de bicicleta, mas bike é outra vibe). Ainda que tenha que
atravessar as ladeiras das Perdizes para ir trabalhar (pena que ainda
tenha que fazer parte desse mundo terrível de pessoas que trocam sua
dignidade por dinheiro), já me explicaram que cada pedalada evita duas
moléculas de gás carbônico, o que faz de mim uma pessoa com pegada de
carbono sustentável.
Sexo, agora, só verde. Se provarem que esperma polui o mundo, evitarei o
orgasmo, assim como na Idade Média dizem que mulheres santas evitavam
gozar para serem puras aos olhos de Deus. Enfim, sinto-me leve com meu
novo eu. Provavelmente, serei mais amado, e isso é que conta, não?
Acredito, agora, num mundo melhor.
De repente, acordei. Sentei na cama. Ao lado, minha mulher dormia, com seu corpo de pecadora.
Fui até a biblioteca e vi os livros de Nietzsche, Freud, Pascal,
Dostoiévski, Cioran, Bernanos, Roth, Camus, Nelson Rodrigues me olhando
com olhos de profetas. Os dedos indicadores em riste apontavam para mim.
Ao lado de minha estatueta da esfinge de Édipo, lia-se: "Conhece-te a ti
mesmo". Voltara a ser eu mesmo. Esse miserável escravo das moiras, de
felicidade complicada, doçura rara, boca seca e olhos vermelhos.
Reconheci-me: sou o mesmo pecador de sempre, sem esperança.
6.3.12
5.3.12
Quando a ciência não se basta, ainda que ela possa quase sempre acreditar que sim
Na última terça-feira, ao dar uma
olhada no caderno de Ciência da Folha, encontrei esse texto que, logo de cara,
me pareceu fazer referência a algo bem problemático. Isso porque sabemos que quando
a questão diz respeito à ética ou a moralidade as coisas não podem ser
pressupostas de maneira tão ingênua.
Os indivíduos burlaram regras? Se colocaram
de maneira pouco apreciável e não dentro de uma conduta esperada? Pode
acontecer e acontece, sempre. Mas seria isso indicativo de quê: de não respeito à ética
ou do desenvolvimento de uma espécie de ética paralela?
O artigo base, do qual texto jornalístico é nada mais do que um resumo, pode ser lido na íntegra aqui.
Seria necessário algum tempo e talvez
muito espaço para colocar uma mínima discussão sobre o assunto. Fato é que,
quando a ciência se arrisca a fazer certas afirmações, deveria se atentar mais à
narração do fato, ou sua descrição, ao invés de fazer uso de termos tão problemáticos
e caros à história do pensamento humano.
De qualquer maneira, foi-me impossível
ler o artigo e não me lembrar do aforismo 92 de Humano, Demasiado Humano. Uma passada de olhos pelo texto de Nietzsche
já coloca as coisas sob uma perspectiva diferente e bastante mais complexa.
Aliás, por que será que o filósofo de
Röcken tinha tanta implicância com os chamados psicólogos?
Riqueza traz mais chances
de agir de forma pouco ética
Resultado pode ter relação com atitude diferente diante da cobiça, vista como algo positivo, diz cientista
REINALDO
JOSÉ LOPES
EDITOR DE “CIÊNCIA E SAÚDE”
O resultado polêmico vem de uma série de experimentos conduzidos por psicólogos da Universidade da Califórnia em Berkeley, liderados por Paul Piff, e está na edição eletrônica da revista "PNAS". Em contextos tão diferentes quanto o trânsito, uma entrevista imaginária de trabalho e um jogo de computador, os pesquisadores enxergaram diferenças significativas na maneira como ricos e pobres lidam com dilemas morais.
Piff e seus colegas tomam cuidado para não dar a impressão de que seus resultados equivalem a uma condenação generalizada dos ricos e a um endeusamento dos pobres. Eles lembram que há muitos milionários beneméritos, colocando Bill Gates nessa categoria, e chamam a atenção para a prevalência de crimes violentos em bairros pobres do mundo todo.
No entanto, afirmam, os experimentos parecem indicar um tema comum que leva quem tem mais dinheiro a cruzar a barreira do eticamente aceitável: a cobiça.
DOCE DE CRIANÇA
É isso que aparece num dos testes de laboratório da ideia, na qual um grupo de 125 universitários tinha de preencher um formulário sobre a sua própria posição na escala social. Depois, como quem não quer nada, os cientistas colocavam diante dos voluntários um recipiente cheio de doces.
O recipiente tinha um rótulo dizendo que os doces iriam para um laboratório onde seriam feitos experimentos com a participação de crianças. "Mas, se quiser, você pode pegar alguns doces", dizia o pesquisador ao voluntário do estudo.
Parece piada pronta, mas o fato é que quem se considerava membro das camadas mais altas da sociedade tendia a pegar mais doces, deixando menos guloseimas para as crianças.
Em outro experimento, quase 200 pessoas, num teste on-line, participavam de um jogo virtual de dados. Depois, tinham de relatar sua pontuação para os pesquisadores. Os cientistas tinham dito aos voluntários que, quanto mais pontos eles fizessem, maior a sua chance de ganhar um prêmio em dinheiro, no valor de US$ 50.
A armadilha aqui é que, primeiro, os cientistas afirmaram que não tinham como saber a pontuação da pessoa; ela é que tinha de passar a informação para eles. Mas, na verdade, o dado virtual estava viciado: era impossível fazer mais do que 12 pontos.
Os cientistas viram que algumas pessoas mentiram a respeito da própria pontuação. E, mais uma vez, quanto mais endinheirado o participante, maior a probabilidade de ele falsear o número.
Os pesquisadores também acompanharam o comportamento das pessoas no trânsito, vendo que quem possui carros caros tem mais tendência a desobedecer regras de trânsito e não dar a preferência para pedestres.
A psicóloga Maria Emilia Yamamoto, especialista em evolução do comportamento humano da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, confessou estar "abismada" com o estudo.
"Claro que é preciso 'mastigar' um pouco mais esses resultados, mas eles são muito consistentes", afirma.
Ela chama a atenção para a possibilidade de que ser rico levaria certas pessoas a minimizar as necessidades alheias. "Em vez de dizer que ricos são menos éticos, poderíamos dizer que ricos se tornam menos éticos."
Humano, Demasiado Humano - § 92
Origem da justiça - A justiça
(eqüidade) tem sua origem entre aqueles que têm potência mais ou menos igual,
como Tucídides (no terrível diálogo entre os enviados atenienses e mélios) o
concebeu corretamente: onde não há nenhuma supremacia claramente reconhecível e
um combate se tornaria um inconseqüente dano mútuo, surge
o pensamento de se entender
e negociar sobre
as pretensões de
ambos os lados;
o caráter da
troca é o
caráter inicial da justiça. Cada um contenta o outro,
na medida em
que cada um obtém o
que estima mais
do que o
outro. Dá-se a cada um o que
ele quer ter, como doravante seu, e se
recebe em compensação o que se deseja. Justiça é, portanto, retribuição e intercâmbio,
sob a pressuposição de uma posição mais ou menos igual de potência; assim a vingança pertence originariamente ao
domínio da justiça, ela é intercâmbio. Assim também a gratidão. - Justiça remete naturalmente ao ponto de vista de uma
autoconservação inteligente, portanto, ao egoísmo daquela reflexão: "Para
que haveria eu de danificar-me inutilmente e talvez nem sequer alcançar meu
alvo?" - Isso quanto à origem da justiça. Porque os homens, de acordo com
seu hábito intelectual, esqueceram o fim originário das assim chamadas ações justas,
eqüitativas, e, em
especial, porque através
de milênios as crianças
foram ensinadas a
admirar e imitar
tais ações, pouco
a pouco surgiu a aparência de que uma ação justa é
uma ação não-egoísta: e sobre essa aparência repousa a alta estima por elas,
que além disso, como todas as estimativas, está
ainda em constante crescimento:
pois algo altamente estimado é perseguido com sacrifício, imitado,
multiplicado, e cresce porque o valor
do esforço e
zelo dispendidos por
cada individuo é
ainda acrescentado ao valor
da coisa estimada.
- Que aspecto pouco moral
teria o mundo sem o esquecimento!
Um poeta poderia dizer que Deus postou o esquecimento como guardião na soleira
do templo da dignidade humana.
3.3.12
João e a Princesa
E aí que o Mauricio Pereira é um sujeito capaz de pegar essa notícia de jornal
e transformá-la nessa música linda chamada João e a Princesa.
e transformá-la nessa música linda chamada João e a Princesa.
Assinar:
Postagens (Atom)